terça-feira, agosto 30, 2005

ATÉ JÁ!

Parto amanhã de manhã para o Rio de Janeiro, para participar na II Bienal de Jurisprudência Luso-Brasileira sobre temas de Direito da Família.
Se não o conseguir antes, regresso à blogosfera no dia 08 de Setembro.
Nesse dia informarei se a Fátima Felgueiras foi ou não minha companheira de avião na viagem de regresso. E explicarei uma coisa que, de acordo com o programa da Bienal, vou aprender: Diferenças entre união estável, namoro, relações esporádicas e convivência, ou seja, entre viver, namorar, andar e ficar.
Até já!

POESIA DO NORDESTE BRASILEIRO

João vivia no precisado
de pertences só os penduricalhos


Maria vivia no acontecido
de emprenhar todos os anos


Seus filhos viviam de morrer
sem saber, antes do tempo.


Caetano Ximenes Aragão


in NOR destinos – colectânea poética do nordeste brasileiro
organizador: Pedro Américo de Farias
Ed. Fragmentos 1994

AALTA

Não tinha dado por este filme francês, de 2003, a preto e branco.
Cerca de uma hora e meia de suave humor, a provar que também se pode falar de coisas sérias a rir.
Recomendo!

ASSOBIAR PARA O AR

Quando várias pessoas estão metidas no mesmo barco e existe um problema comum que não se sabe como resolver, ou cuja resolução se procura passar para o parceiro do lado, é vulgar usarem-se expressões do tipo “tem de se fazer”, “havia de se tratar”, “era preciso resolver” – sem que nenhuma sugestão seja dada, na esperança de que alguém mais voluntarioso ou preocupado com o assunto tome a iniciativa de arranjar a solução e de a executar.
É precisamente este assobiar para o ar que está no artº 8º da Lei 42/2005, de 29 de Agosto, que alterou as férias judiciais:
“Até à entrada em vigor da presente lei, devem ser tomadas as medidas complementares necessárias para assegurar a implementação da redução do período de férias judiciais, designadamente no que respeita ao serviço urgente efectuado durante as férias judiciais.”

II CONGRESSO LUSO-GALAICO DE TOXICODEPENDÊNCIAS

Nos dias 24 e 25 de Novembro de 2005 vai realizar-se o II Congresso Luso-Galaico de Toxicodependências, no Edifício da Alfândega, no Porto, organizado pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência, pela Xunta de Galicia e pela Cooperação Transfronteiriça Portugal-Espanha (Interreg III A).
Os temas a tratar são:
Toxicodependência e Saúde Mental
A Toxicodependência na Europa
Toxicodependência e Justiça
Toxicodependência e Alcoolismo
Novas Drogas, Novos Consumos
Toxicodependência e Medicina Infecciosa
Avaliação e Qualidade Assistencial em Toxicodependências
A Eterna Busca do Prazer

A consulta do programa e as inscrições podem ser feitas em http://www.skyros-congressos.com/,

INSUBMISSA ONDA

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Poema sobre escultura de Francisco Leiro ,
exposta no Centro Cultural de São Lourenço.

segunda-feira, agosto 29, 2005

MAS!

Há dias em que olhando para as semanas seguintes parece que estão prestes a cair-me em cima. Hoje é um deles. Para não ficar como uma barata que, noite alta, é apanhada no meio da cozinha por uma luz que subitamente se acende, recorro, também nestas ocasiões, ao placebo das palavras sobre uma folha de papel. Listo o que tenho para fazer, quando tem de estar feito, as etapas até lá, o que é de hoje, o que é de amanhã e por aí adiante e consigo esconder-me numa frincha do rodapé para, longe do sapato de gigante que ameaça esmagar-me, recomeçar a luta pela sobrevivência.

SESTA

A sesta devia ser obrigatória, mas só a consigo cumprir diariamente durante as férias. Hoje fui acompanhado pela música agradável de ESTRELA – a guitarra clássica de José Peixoto e a voz de Filipa Pais, que me recomendou e repetiu:

... vai pró mar namorar
vai prá lua se der, mas não vás trabalhar.

(J.Monge)

domingo, agosto 28, 2005

O PODER DA IMAGEM

As fotografias (poucas) de José Sócrates que o Público tem, nos últimos dez dias, publicado não exigem a leitura do respectivo texto para que logo se perceba qual será o sentido geral que dele decorre quanto à acção do primeiro-ministro; assim como, depois de lido o texto, o reafirma perante o leitor.

QUEM SÃO OS MAGISTRADOS PORTUGUESES ? (2)

O estudo realizado pela equipa coordenada por Boaventura Sousa Santos e publicado em 1996 sob o título Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas – o caso português (ed. CES/CEJ/Afrontamento) não teve por objectivo conhecer e caracterizar os magistrados portugueses, mas inclui os resultados de um inquérito à opinião dos cidadãos sobre o direito, a justiça e os tribunais, bem como sobre o perfil profissional do juiz. Questões como a imparcialidade e o papel do juiz, as qualidades e atribuições exigíveis à função judicial, o sexo e a idade foram aí tratadas como “matéria-prima com base na qual se vão construindo e sedimentando as representações sociais” e “dispositivos sóciopsicológicos com base nos quais os cidadãos definem as suas estratégias tanto para usar como para evitar os tribunais”, baseando-se na seguinte hipótese de trabalho:
“A distância entre cidadãos e instituições, que redunda no uso escasso dos tribunais, redunda também em opiniões em geral negativas a respeito dos tribunais e dos seus profissionais; no entanto, dada a heterogeneidade social da nossa sociedade, são grandes as variações segundo as características sociológicas dos inquiridos e de região para região”.

Entre 1998 e 2002 foram desenvolvidos trabalhos que procuraram dar contributos para a resposta à pergunta aqui formulada, partindo da recolha de informação sobre os auditores de justiça que, tendo sido formados no Centro de Estudos Judiciários, ingressaram na magistratura. Trabalhos estes da autoria da socióloga Fernanda Infante, tendo eu sido co-autor de um deles.
O mais abrangente, sobre a Composição Social dos Auditores de Justiça (que foi publicado em duas fases: a primeira com o título Sociografia dos Auditores de Justiça – Alguns resultados preliminares de uma investigação em curso (in O Ministério Público, a democracia e a igualdade dos cidadãos, Cadernos da Revista do Ministério Público nº10, 2000); e a segunda com o título Composição Social dos Auditores de Justiça; Quem são os magistrados portugueses? Contributo para um estudo (in Que Formação para os Magistrados Hoje?, edição SMMP, 2000) pretendeu responder às seguintes questões:
- Será que a idade dos magistrados em exercício de funções nos tribunais permite continuar a falar da sua juventude?
- O progressivo acesso das mulheres a determinadas profissões reflecte-se na magistratura portuguesa?
- Os magistrados são, tendencialmente, dos meios rurais ou dos meios urbanos, sabido que a origem geográfica ”poderá ser potenciadora de influências sócio-culturais mais ou menos tradicionais e conservadoras?”
- A opção pelo ingresso na magistratura é precedida de alguma experiência profissional?
- Existe “reprodução geracional” – são os magistrados filhos de magistrados ou de outros profissionais da “família jurídica”?
- Qual o seu percurso académico e de formação profissional?
- A opção pela magistratura “é uma escolha interior ou determinada por motivos associados a uma profissão socialmente reconhecida, ou, ainda, a alguma previsão de insucesso designadamente na carreira da advocacia”?
- E a opção pela magistratura judicial ou pela magistratura do Ministério Publico é determinada por razões intrínsecas ou extrínsecas ao auditor de justiça?

Um outro, denominado Sociografia dos Auditores de Justiça do XX Curso Normal de Formação (Fernanda Infante/ Rui do Carmo, ed. CEJ, Julho de 2002) teve “o duplo objectivo de conhecer melhor a composição e características do curso e, assim, poder melhorar-se a organização da formação”.
Para além de terem sido recolhidos e tratados os dados respeitantes ao sexo, idade, estado civil, distrito de residência e de nascimento e origem universitária, e formuladas perguntas sobre alguns aspectos relevantes para a execução do programa curricular - foram os auditores de justiça inquiridos sobre familiares com profissões jurídicas, sobre a frequência de cursos de preparação para admissão no CEJ, sobre o momento da decisão de candidatura à magistratura e sobre a motivação de tal candidatura.

Em 1998, chegado há um ano ao CEJ como docente, desenvolvi um estudo mais específico, que designei de Estudo Exploratório sobre a Opção pela Magistratura do Ministério Público (in Cadernos da Revista do MP nº10, já cit.), que foi motivado pela insistência com que se dizia que a formação era essencialmente orientada para os aspectos que interessavam mais à actividade do juiz, para cuja opção se procuraria captar os mais bem classificados, sendo ideia muito difundida que os piores classificados iriam para o Ministério Público – ao mesmo tempo que existia um acentuado desinteresse pela necessidade de estudar, avaliar e debater tal realidade.
Visou procurar conhecer dados objectivos, recolhendo e tratando informação sobre quantos magistrados tinham sido formados pelo CEJ, o seu percurso académico e no Centro, as suas opções de magistratura e as indicações disponíveis quanto ao que a poderia ter influenciado.

Como referi no primeiro texto sobre o tema, o que vamos tendo em Portugal são “reflexões, estudos parcelares, por regra assumidos como exploratórios, e a apresentação de dados ainda pouco trabalhados”. Que são, contudo, um princípio para um tratamento sistemático do tema.

a continuar

TINHA UM LEVE RISCO

Tinha um leve risco
africano no falar
e o Índico na cintura
que lhe escrevia o ritmo
do corpo e no suor a respiração
da primeira chuva sobre a terra
quente de um sol mestiço.

A ESTÁTUA DE MANUEL ALEGRE

Finalmente consegui ver a estátua de Manuel Alegre oferecida a Coimbra. No Expresso de ontem. E o que vi? Com que imagem fiquei? A de um homem descalço e apertado num colete de forças. Já estaria mesmo feita?

sábado, agosto 27, 2005

ANTÓNIO GANCHO

dois POEMAS DIGITAIS

NÃO CONSINTAS só o que mintas
Consente também o que sintas.

***

NO CÉU ESPERO obedecer de Deus a devida conduta
Na terra não espero não, dou luta.


1989


MY WORK

My work
is prose and poetry
but I like more Rose
than dynasty.
My rose
is mine
and dinasty
I have no one.
Poetry only
is my dynasty
my work
but I like prose too
when I am with Rose
comprennez-vous?

1986


in O AR DA MANHÃ
Assírio & Alvim 1995

O ACONTECIMENTO

Este é o tema do dossiê do nº 6 (Primavera de 2005) da TRAJECTOS - Revista de Comunicação, Cultura e Educação, editada pelo Departamento de Sociologia do ISCTE e dirigida por José Rebelo, que tem como texto central Entre o facto e sentido: a dualidade do acontecimento, de Louis Quéré.
Defendendo o acontecimento como “fonte de sentido”, distingue-o do facto nos seguintes termos: “o acontecimento só pode ser compreendido a partir do seu futuro e da sua posteridade. Recolhe a sua individualidade do futuro e do destino que abre. Em contrapartida, o facto pode ser compreendido a partir do seu passado e da sua ascendência”. E sobre o sentido novo projectado pelo acontecimento, afirma:
“Há coisas que acontecem e que julgávamos impossíveis de acontecer, porque excediam o pensável ou o nosso sentido do possível. Ao acontecerem, somos obrigados a reconhecer que havia possibilidades, potencialidades ou eventualidades. Podemos também imaginar o que teria podido passar-se de diferente, ou como é que as coisas teriam também podido produzir-se. Somos, portanto, impelidos a rever o nosso sentido do possível, a descobrir “os possíveis que eram os nossos” e a inscrever na ordem das eventualidades o que até então parecia impensável. Essa revisão do sentido do possível tanto diz respeito ao passado como ao futuro. (...) Enfim, o acontecimento pode afectar profundamente o horizonte dos possíveis que serve de pano de fundo ao traçar dos nossos projectos”.
Este número da TRAJECTOS abre com um artigo de Mário Mesquita sobre Teorias e práticas do jornalismo do telégrafo ao hipertexto, em que trata o conceito de objectividade nos meios de comunicação social que associa, do ponto de vista tecnológico, à invenção do telégrafo, e à fase industrial da imprensa, enquanto “forma de operar a transformação dos pequenos auditórios homogéneos do “espaço público iluminista” no “grande público” heterogéneo da metrópole em crescimento”, pois “o papel do jornal, no novo espaço citadino, consiste em criar consensos, em unificar as populações, em ser o menor denominador comum nas metrópoles em crescimento”, pelo que se criou “uma doutrina profissional da “factualidade”, contrapondo-se aos antigos periódicos de opinião e de causas, os jornais de notícias e de histórias”.
Mas refere que “as práticas de investigação do “jornalismo objectivo” entraram em crise com a mudança das tecnologias da transmissão para as tecnologias em rede. Normativos tradicionais, tais como a regra de ouvir as partes em confronto num litígio, antes de divulgar a informação, revelam-se desajustados da rapidez na circulação da informação e dos respectivos reflexos na tomada de decisões editoriais”. Para depois, confrontando-o com o hipertexto, concluir que “os modelos do “realismo” e da “objectividade jornalística”, criados na era do telégrafo, ajudaram a configurar uma doutrina profissional que visava atingir uma versão única, supostamente objectiva do acontecimento. O hipertexto, pelo contrário, convida o leitor a um sucessivo aprofundamento do relato jornalístico, ao cotejo de múltiplas versões, a um certo relativismo epistemológico. (...) O paradigma linear da rede telegráfica difere, manifestamente, da abertura pluridimensional facultada pela “teia”.
Tânia de Morais Soares, em Os media portugueses na Internet: contributos para uma cibersociologia, faz uma constatação curiosa: “o meio líder que domina tradicionalmente em termos de audiência e em termos de lançar a agenda do dia dos media que os outros seguirão, que é a televisão, surge agora on line subordinado às formas de apresentação e organização da informação mais próxima das lógicas da imprensa escrita, dando-se, num suporte que é multimédia, uma clara dominação do texto escrito como modo fundamental de comunicação”. E levanta a questão do papel de gatekkeper que “parece estar a ser protagonizado na Internet pelos portais de acesso, dada a sua capacidade de hierarquizar a informação, conferindo visibilidade ou mantendo na bruma a espectacular diversidade de informação/conteúdos disponibilizados na Rede”.
Ou seja, uma revista a não perder por quem se interessa por estes temas.

sexta-feira, agosto 26, 2005

DIÁRIO DE UMA AUSÊNCIA

25/08


PXO

Contam-se pelos dedos das mãos os que passeiam pela areia dura da baixa-mar entre Vila Baleira e a Calheta, na orla de um mar verde que um ou outro raio de sol menos coado pelas nuvens vai lapidando como a uma grande esmeralda. O barco aproxima-se pachorrento vindo do Funchal. O Ilhéu de Cima e o Ilhéu de Baixo readquirem a dignidade de guardiães da ilha e devolvem-na a si própria. Para muitos é o fim de época, o fim da festa. Era agora que eu cá continuava, mas não se me aplicam as palavras que a outrem dediquei:

Chegaste até aqui
com um apressado vagar.

No vagar é que
mesmo na pressa
se encontra o sabor do caminho.


24/08

CURSOS DE PREPARAÇÃO PARA ADMISSÃO NO CEJ

Vi anunciada na imprensa escrita a abertura de inscrições para um dos cursos de “preparação para admissão ao Centro de Estudos Judiciários”. A subsistência e aumento do número destes cursos não é dissociável do modo como é feita a selecção dos candidatos para o ingresso no CEJ e de uma certa padronização dos testes escritos, para a qual, de resto, tem também contribuído a existência daqueles.
Os chamados “cursos de preparação”, partindo da análise dos testes escritos e dos critérios de classificação dos últimos anos, procuram fornecer aos candidatos a resposta pertinente a temas e perguntas previsíveis, de acordo com uma grelha de correcção esperada. São cursos talhados para um objectivo muito específico: que quem os frequenta passe naqueles testes.
Não constituem, por isso, a meu ver, um contributo, que é desejável, das Universidades para o melhor apetrechamento dos licenciados que se assumem como candidatos ao ingresso nas profissões forenses.
Desconheço qual a “taxa de êxito” desses cursos. Apenas tenho os dados, publicados, do inquérito feito aos auditores de justiça que ingressaram no XX Curso Normal de Formação (ano de 2001/2002) *. Dos 110 auditores de justiça do curso, 68 responderam à pergunta sobre se tinham frequentado algum curso de preparação para admissão ao CEJ, tendo 48 respondido que sim e 20 respondido que não. Mas, tomando-se em consideração que os testes escritos das matérias jurídicas visam fazer uma reavaliação da aprendizagem obtida nas licenciaturas dos conhecimentos essenciais das principais áreas do direito, permitindo a lei que seja consultada toda a bibliografia que o candidato consiga transportar consigo, quem frequenta aqueles cursos beneficia ainda, normalmente, dos dossiês com doutrina e jurisprudência seleccionadas por temas, dos quais pode fazer transcrições que, mesmo sendo inúteis para a abordagem do caso concreto, com grande probabilidade o beneficiarão na classificação final.
Repetindo o que já disse e escrevi noutras ocasiões, entendo que a avaliação dos conhecimentos de direito deve incidir essencialmente sobre a capacidade, em face de situações concretas, de sobre elas reflectir, de utilizar adequadamente os conhecimentos jurídicos pertinentes, de encontrar para elas respostas jurídicas suficientemente fundamentadas, de demonstrar ponderação na sua análise – ou seja, uma avaliação não limitada ao conhecimento memorizado, ou à transcrição acrítica da doutrina e da jurisprudência disponíveis. Devendo as provas de acesso ser construídas de forma a serem capazes de aferir estes conhecimentos e estas capacidades.
E, a manter-se a exigência de que os candidatos ao ingresso no CEJ terão de ser licenciados há pelo menos dois anos, impõe-se que o concurso público inclua a análise e discussão curriculares.

* “Sociografia dos Auditores de Justiça – XX Curso Normal”, Fernanda Infante e Rui do Carmo, ed. CEJ – Julho 2002


HOMENAGEM AO DR. SÁ COIMBRA (1919-2005)

Acabo de saber, pelo telefone, que faleceu o Dr. Sá Coimbra.
Em homenagem a este “magistrado íntegro e radicalmente independente” que, no fascismo, foi marginalizado e perseguido quer “[pelo] poder político, quer [pelo] poder corporizado nas instituições judiciárias” e que, por isso, “ficou a marcar passo na 1ª instância, até que o regime democrático instituído pelo 25 de Abril lhe fez justiça”, aqui transcrevo um extracto de um recente texto sobre ele escrito pelo Dr. Artur Rodrigues da Costa, publicado no blog Cum Grano Salis e no nº 101 da Revista do Ministério Público, ao qual pertencem também as situações já feitas:
“Pergunto: onde é que estão os políticos da nossa democracia que nunca foram capazes de encontrar, nos meios judiciais, homens como este para lhe atribuírem uma pequena distinção, em nome da comunidade que eles serviram com honra e verdadeiro empenho cívico, quando esbanjam comendas a torto e a direito por uma espécie em voga: os novos ricos da democracia? Onde estão eles, afinal, que, quando se lembram de atribuir honrarias desse tipo a magistrados, vão indagar junto dos presidentes dos conselhos superiores a quem as devem atribuir?”

Escritor de grande qualidade, tive pena que devido ao seu estado de saúde não tenha sido possível incluir, em 2004, A Chancela no programa do II Ciclo Justiça e Literatura.


ACHO QUE JÁ DESCOBRI!

É um dos professores da “Universidade de Verão” que funciona aqui ao lado, no Bar do Henrique (boas lapas grelhadas, acrescento eu), todas as manhãs.


23/08

AINDA A “UNIDADE DE MISSÃO PARA A REFORMA PENAL”

Decidi reler a Resolução do Conselho de Ministros que constituiu a Unidade de Missão para a Reforma Penal, pois surgiram-me dúvidas sobre a opinião a que aderi logo que tive conhecimento da sua criação e constituição.
Leio no nº1 da Resolução que “tem por objectivo a concepção, o apoio e a coordenação do desenvolvimento dos projectos de reforma de legislação penal” – que deverão ser aqueles que estão enunciados no programa do Governo, penso eu. Parece-me que a criação desta estrutura é positiva se tiver em vista procurar garantir a coerência e articulação entre as diversas intervenções legislativas anunciadas (prioridades de política criminal, alterações ao Código Penal e ao de Processo Penal, execução das penas, etc.), uma vez que a incoerência e a desarticulação entre diplomas legais estão entre os problemas actuais da produção legislativa, provocando ineficácia e enfraquecendo a sua força normativa.
Compõem-na, para além do coordenador, um conselho integrado por membros de departamentos do Ministério da Justiça ou sob a sua tutela e um membro do gabinete do próprio ministro. E o nº4 estabelece que “o coordenador da UMRP pode propor ao Ministro da Justiça que sejam convidados a participar em reuniões do conselho (...) representantes do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, bem como professores universitários de áreas científicas consideradas relevantes para a reforma penal”.
Ora, está aqui o centro das críticas: a não integração na composição do conselho da UMRP de membros do CSM, do CSMP e da OA, o que vem sendo entendido por alguns como uma forma de marginalizar os profissionais do foro, os que aplicam a lei e melhor conhecem o funcionamento e os problemas do sistema de justiça penal, do debate e concepção das reformas legislativas.
Também assim comecei por pensar, influenciado por algumas atitudes de gratuito afrontamento que o Ministro da Justiça tem adoptado no relacionamento com magistrados, advogados e funcionários de justiça, o que me levou a concluir de imediato: cá está mais uma atitude de afrontamento.
Há, contudo, que tomar em consideração que este governo se demarcou da ideia de Pacto da Justiça defendida pelo anterior, em face da qual fazia todo o sentido a constituição de um colectivo que integrasse o poder político e também os órgãos representativos e de gestão das profissões forenses. E que afirmou assumir a responsabilidade política de apresentação das suas próprias propostas, pelo que faz sentido que constitua um órgão que, sob a dependência do Ministro da Justiça, conceba os “projectos de reforma da legislação penal” que pretende vir a apresentar; assim como faz sentido que tal órgão tenha necessidade de ouvir o CSM, o CSMP, a OA e professores universitários no processo da sua elaboração, sobre aspectos técnico-jurídicos e da sua incidência na prática judiciária.
Este caminho permite, de resto, dois tipos de clarificações: por um lado, clarifica que as opções de política criminal (em sentido lato) não são questões meramente técnicas, mas essencialmente escolhas políticas ideologicamente informadas; por outro lado, clarifica a autoria e a responsabilidade dos projectos, que são inequivocamente do governo.
Elaborados os projectos, então há que haver um debate amplo, no qual o CSM, o CSMP e a OA desempenharão um papel muito importante, que terá de ser necessariamente alargado às associações sindicais do sector, à sociedade civil, a todos os cidadãos. Em que se debaterão as opções político-legislativas, as soluções técnico-jurídicas escolhidas para a sua concretização, o texto concreto dos projectos, e serão apresentados todos os contributos tendo em vista a elaboração da versão final a ser aprovado pelo Governo ou a ser apresentada por este à Assembleia da República.
Nessa fase é que têm de ser exigidas as condições necessárias a uma ampla participação democrática.



MAS, AFINAL, QUEM SERÁ?

Lá vão eles outra vez a passar. Hoje são só sete. E o tal do boné de pala, que faz os outros rir muito, é interpelado por um miúdo que lhe pede um autógrafo.
Mas, afinal, quem será?



22/08

COIMBRA ARDE

São impressionantes as descrições que me fazem dos incêndios em Coimbra, na própria cidade de Coimbra, quer pelas áreas atingidas, quer pela intensidade do fogo, quer pela completa ausência de meios de combate!


21/08

BASE – Nova revista de criação literária

Identifiquei-me com as primeiras frases do Editorial do nº1 desta recém editada “revista de criação literária”, dirigida por Ana Costa Franco e Susana Moreira Marques:
O começo de qualquer coisa é sempre determinante. Por isso é tão difícil fazer o primeiro editorial. (E o primeiro número).
E, propondo-se tratar um tema em cada número, achei ser um salutar gesto de bom humor a escolha de ERROS para começar - não inteiramente ingénua e fortuita, confessam.
Comprei-a com alguma expectativa, mas a leitura das 191 páginas de prosa, poesia e alguma fotografia não lhe correspondeu, quer na qualidade dos textos quer porque o tema só muito longinquamente se percepciona..
Foi-me agradável percorrer a escrita de Alexandra Lucas Coelho no conto Abu Holi:
Ahmed falou do amor à espera, lá onde o Inverno é branco. Da sua prometida, a mulher que chegara como quem abre uma janela, tomando tudo nos braços.
Achei curioso o conjunto de poemas chamado Música para surdos e mudos, dedicado a um “Zé Carlos” pela brasileira Cristina Maria de Medeiros, que começa por explicar:

Porque Zé Carlos não me ama,
publicarei estes versos.
Assim,
outras pessoas também poderão
não me amar.


É que:

Zé Carlos é um homem que pra viver cortou todos os desperdícios

Inclusive o desperdício dessas minhas palavras.


20/08

FRIO

Uma lágrima
que se evapora
sem penetrar a pele.


Uma asa
que se desprende
e cai.


O CHEIRO E O SABOR

“Mas, quando nada subsiste de um passado antigo, após a morte dos seres, após a destruição das coisas, apenas o cheiro e o sabor, mais frágeis mas mais vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, permanecem ainda por muito tempo, como almas, a fazer-se lembrados, à espera sobre a ruína de tudo o resto, a carregar sem vacilações sobre a sua gotinha quase impalpável o edifício imenso da memória”.
MARCEL PROUST.



QUEM SERIA?


Eles eram uma dúzia. Só homens, não tinham nada aspecto de ser um grupo de top-models nem de virem de uma festa do jet-set embora fossem acompanhados por um fotógrafo que, de espaços a espaços, se adiantava e lhes tirava várias fotografias. Passeavam à beira-mar e um deles, de boné de pala, destacava-se porque gesticulava e falava mais alto do que os outros e para os outros, tendo o condão de os pôr todos a rir mal abria a boca e dizia duas ou três palavras. E assim continuaram.
Pus-me a andar em sentido contrário. E fui a pensar: quem seria?


19/08

CLARO QUE É PREPOTÊNCIA

Claro que é prepotência jornalística não ter o Público de hoje feito uma chamada à primeira página do esclarecimento do Procurador-Geral da República sobre uma notícia publicada a 14 de Agosto com direito a manchete, que imputava, falsamente, ao Conselho Consultivo da PGR a responsabilidade pela demora de 16 anos em qualificar um acidente de serviço sofrido por um inspector da PJ.


CADA CASO é UM CASO!?

Os procuradores e juízes, que ainda há bem pouco tempo eram acusados de não lerem a Constituição da República Portuguesa, são agora convidados a não fazerem uma interpretação demasiado formalista dos pressupostos de aplicação da prisão preventiva e a entenderem cum grano salis os “fortes indícios” exigidos pela lei processual penal.


É ASSIM A VIDA

A Coral acode-me à sede, mas é a Laurentina que eu persigo.




18/08

CHEGADA A LISBOA

trrrriiim, trrrriiim, trrrriiim
Estou!? Estou quase a chegar! Como? Como? Não oiço ...

uuUUUaaAAA, uuUUUaaAAA, uuUUUaaAAA, uuUUUaaAAA
Sim! Sim! Eu vou directamente para aí. Estarei aí dentro de um quar... Está lá? Está-me a ouvir agora? Estava a dizer que vou directa ...

pstpst
Ès tu? És tu? És tu, amor? Que porcaria de telefones! Amor? Já estás há muito tempo à espera, amor? Que merda!

pararanpararanpararanPANpararanpararanpararan, pararanpararanpararanPAN
Ó Alfredo, conseguiu o material todo? Para que horas é que marcou a reunião? Alfredo!? Alfredo!? Está-me a ouvir? Devo ter ficado sem rede. Já me ouve? Às 10 horas? Não, não é preciso, eu apanho um táxi!

uuUUUaaAAA
Aguente aí as pessoas, que eu dentro de um quar ... Outra vez!? Foda-se!

Kzzzzzzzt, Kzzzzzzzt, Kzzzzzzzt, Kzzzzzzzt
Diga, Amália! Pode marcar para as três da tarde! E peça ao gabinete de planeamento o dossiê! Quero tê-lo comigo logo que chegue! O Baptista já está em Santa Apolónia!? Até já!

miau, miau, miau. ahahahahahahah, ahahahahahahah. plocplocploc. Mas eu disse-lhe para me ir buscar ao Oriente! uáuá, uáuá, uáuá, uáuá. Vais com o papá, também é bom. Não te esqueças de lhe levar o chapéu! A mamã leva-te uma prenda. Vestiste-lhe a roupa que eu deixei escolhida? vvvv, vvvv. Já acordaste? Que é que vais fazer agora?

pi, pi, pi, pi, pi, pi
Diz, filho! Estou a chegar a Lisboa. Às quatro estou aí no Porto.

uuUUUaaAAA

Não, não foi para você. Desculpe lá, pensei que a chamada tinha caído. Olhe, eu vou directamente para aí. Depois explico-lhe o que aconteceu.

éstãoboaéstãoboa, éstãoboaéstãoboa, éstãoboaéstãoboa
Isto parece um avião. Tem televisão e música e tudo.

trrrriiim
Já tentei mais de uma vez mas estavas a falar. Sempre vamos almoçar? Tá! À meia-hora. A que hora é que tens de estar aí outra vez? Ainda dá para estarmos um bocadinho juntos. Os gajos esperam por mim!

pst

Amor!? Amor!? Já te estou a ver, amor.


PFFFFFFFFFFF

quarta-feira, agosto 17, 2005

POR DETRÁS DE CADA PALAVRA

Por detrás de cada palavra que deixo
escorrer de mim no teclado
existe um beijo um toque de ternura ou
um grito.

Letra a letra com o indicador envolvo
os dedos que me hão-de dar resposta acaricio
os olhos em que releio o sentido
do que escrevi percorro
os lábios cuja voz anseio
poder ouvir no meu écran.

As palavras transmitem-nos
na ausência pressentem-nos
o amor as veias o sangue
a fusão
nossa
em calor côncavo.

"A nossa personalidade social é uma criação do pensamento dos outros" - Marcel Proust

AO CORRER DA REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (4)

ASSOCIAÇÃO EUROPEIA DE MAGISTRADOS PELA DEMOCRACIA E PELAS LIBERDADES (MEDEL)

Desde há vários anos que diversas organizações sindicais e profissionais de magistrados europeus, através dos contactos recíprocos que vinham mantendo sobretudo por ocasião dos respectivos congressos, se deram conta da identidade dos princípios nucleares orientadores da sua actividade e da necessidade de uma conjugação de esforços para a defesa desses valores comuns.
Ponto alto desse percurso foi, sem dúvida, a realização em Lille, em 10, 11 e 12 de Fevereiro de 1983, por iniciativa da Universidade de Lille e do Sindicato da Magistratura francesa, de um colóquio internacional subordinado ao tema Magistratura e Democracia na Europa, que reuniu professores universitários, parlamentares e magistrados da Bélgica, Espanha, França, Itália, Países Baixos, Portugal e República Federal da Alemanha. As comunicações apresentadas e outros documentos estão reunidos na obra Être Juge Demain, organizada por JEAN-PIERRE ROYER e editado pelas Presses Universitaires de Lille. A delegação portuguesa, organizada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, apresentou comunicações da autoria de BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS (A justiça informal e/ou tecnocrática – As transformações recentes na natureza dos poderes do Estado nos países capitalistas avançados), ANTÓNIO VITORINO (Magistratura e justiça constitucional em Portugal) e MÁRIO TORRES (O juiz natural em direito português).
..........................
Com o impulso final dado por ocasião do Congresso da Associação Sindical dos Magistrados Belgas (Bruxelas, 1.3.1985), foi em Estrasburgo, em 16 de Junho de 1985, que se constituiu finalmente a ASSOCIAÇÃO EUROPEIA DE MAGISTRADOS PELA DEMOCRACIA E PELAS LIBERDADES, sendo membros fundadores o Syndicat de la Magistrature (França), Jueces para la Democracia e Unión Progresista de Fiscales (Espanha), Magistratura Democratica (Itália), Association Syndicale des Magistrats (Bélgica), Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (Portugal) e, a título individual, magistrados alemães integrando o comité profissional permanente dos magistrados do Sindicato dos Serviços Públicos (ÖTV) e holandeses. Mais tarde aderiram magistrados gregos (do Conselho de Estado) e uma nova organização de magistrados alemães (Neue Richtervereinigung).


REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Nº30
Abril/Junho de 1987

A minha neta, nortenha de gema, insiste em que foi de avião para a Póvoa ... de Maiorca.

"MISTURO POESIA COM CACHAÇA" (Vinícius de Morais)

Poemas Eróticos, de José Craveirinha

SEXTO ANDAR

Zé querido
Não te esqueças de alugar
um novo apartamento
dizia a carta dela.


Aluguei-lhe
uma nova flat
e comprei-lhe um jogo de lençóis
para estender na cama nova.


Fui lá com a sua melhor amiga
e os dois no sexto andar do prédio
minuciosamente estreámos também os lençóis.

1974



Bagaceira Luís Pato - Baga

terça-feira, agosto 16, 2005

QUEM SÃO OS MAGISTRADOS PORTUGUESES? (1)

Uma pergunta que está por responder em Portugal, onde se conhecem algumas reflexões, estudos parcelares, por regra assumidos como exploratórios, e a apresentação de dados ainda pouco trabalhados, mas onde não existe um tratamento sistemático do tema ao contrário de outros países da Europa que o estudam há mais de 30 anos.
Conhecer a magistratura é importante para perceber melhor o sistema de justiça e o seu funcionamento, as atitudes dos que a administram e a ideologia das decisões judiciais; não constituindo, portanto, uma curiosidade, mas um instrumento necessário à análise, gestão e intervenção no sistema.
Em 1972, Flávio Pinto Ferreira, sublinhou-o ao dizer que “a origem social dos juízes e, em menor grau de incidência sócio-cultural, a origem social e as classes etárias a que pertencem aquando do ingresso na carreira e aquando da sua promoção às instâncias superiores, exercem fortes influências nas suas atitudes, opiniões e posições intelectuais, estando, por outro lado, na génese ou raiz de muitos dos seus preconceitos, dos seus esteriótipos e “clichés” mentais, da sua visão global do meio e do mundo, ou seja, da sua mundividência, e, bem assim, quase nunca é alheia ao processo formativo da sua ideologia (englobando esta ideias, conceitos e sentimentos, quer de ordem ética ou estética, sem excluir conceitos, ideias e sentimentos sobre o próprio Direito, sua natureza, significado e função)” (Uma Abordagem Sociológica da Magistratura Judicial, ed. OA– CD do Porto, 1972). Acrescentando em 1980 outro aspecto igualmente relevante, quando afirmou que “o juiz sofre, por sua vez, em maior ou menor grau, o influxo ideológico do direito legislado. A tal ponto isso sucede que, a partir de certa altura da carreira, será difícil determinar quais (e com que peso condicionador) os ingredientes sócio-culturais que compõem a formação ideológica do juiz e os que por este foram absorvidos (digamos assim), no exercício da profissão” (“Reflexões Sociológicas sobre a Magistratura”, Fronteira, nº 10/11, Abr/Set de 1980).
Em 1993, J.A.Oliveira Rocha, ao justificar um estudo exploratório (que não teve continuidade) tendo em vista “medir a ideologia das atitudes dos juízes”, afirmou partir da presunção de que “o ambiente em que o indivíduo (juiz) é socializado, bem como a formação profissional, afectam a sua orientação ideológica e a percepção do papel e que, por sua vez, vão ser afectados pelo ambiente imediato – outros juízes, advogados, estatuto judiciário, meio social – em que o juiz opera, e de que da interacção destes três factores resulta em grande parte o tipo de decisão ou sentença” ( “Juízes Portugueses . Contributo para um estudo”, Subjudice nº6, 1993).

Vamos continuar a acompanhar este tema.

O BARCO À DERIVA

Eduardo Prado Coelho escrevia ontem no Público:
“...tem-se a sensação de que o barco está à deriva.”

É também essa a sensação com que se fica quando se lê dia após dia a sua coluna “O Fio do Horizonte”.

Amanhã, Cisjordânia e Jerusalém

segunda-feira, agosto 15, 2005

COIMBRA

Reabri as portas da cidade
em que o vinho da vida me abriu.
Percorro-a de novo
agora que o tempo alisou a memória
e a lucidez quase cede
à contagiante esclerose nostálgica.




1988

domingo, agosto 14, 2005

PROCURO, MAS NÃO ENCONTRO!?

1. Procuro, há já alguns dias, no sítio da Procuradoria-Geral da República, nomeadamente nas Novidades ou na entrada das Circulares, rasto da propalada “afinação” dos critérios do Ministério Público no que respeita às medidas de coacção a aplicar aos suspeitos de provocar incêndios – mas não encontro!?
Ainda bem, pois os pressupostos de aplicação da prisão preventiva (que é, de resto, da competência do juiz de instrução criminal) são iguais para todos os crimes que a admitem, sendo a criação de uma situação excepcional para certo tipo de crimes inconstitucional e o regresso àquilo que foi a figura dos “crimes incaucionáveis”.
Mas, que não se pense que o tratamento da notícia do crime e dos seus eventuais autores, no caso dos incêndios florestais, não exige uma especial atenção. Acho que exige um especial esforço de informação dos magistrados e de coordenação hierárquica, atendendo ao carácter sazonal do fenómeno e a que a sua ocorrência e a detenção dos suspeitos acontece, quase sempre, no período das férias judiciais do Verão (e continuará a acontecer!), com todas as contingências que daí advêm, como sejam: a ausência do tema, há já alguns anos, dos programas de formação; a não coincidência, em regra, entre o magistrado que acompanha a abertura do inquérito e os primeiros actos urgentes e aquele que será o titular do processo; o maior isolamento de quem tem o primeiro contacto com os factos.

2. Procuro no Público de hoje uma explicação, ou a admissão do erro, no que respeita à notícia que ontem, no Cum Grano Salis, L.C. considerou ser “Um caso de grosseira desinformação jornalística” – mas não encontro!?
A autora da notícia costuma espreitar por ali, pelo que a continuação do silêncio será (mais) um exemplo da prepotência de algum jornalismo.

O ARRUMAR DOS PAPÉIS (6)

É hoje a última representação da Ópera de 3 Vinténs, do Novo Grupo.
N’O Arrumar dos Papéis encontrei o programa da primeira apresentação que este grupo fez desta ópera de Brecht e Kurt Weill, no velho teatro também da Praça de Espanha, em Dezembro de 1992.
Dramaturgia e encenação, como habitualmente, de Vera San Payo de Lemos e João Lourenço respectivamente, colaboração nas canções de José Fanha, direcção musical de Eduardo Paes Mamede e cenografia de Olga Roriz.
Jenny, já era a Irene Cruz, Fernando Gomes o Cantor de Coplas , Canto e Castro o Jonathan Jeremiah Peachum e Diogo Infante o Brown, chefe da polícia.
A dramaturgista escrevia: “Entre os “buracos negros” dos pedaços da realidade, no meio do caos, sem choro e sem lamento, mas com agressividade e melancolia, crueza e poesia. A Ópera de Três Vinténs capta e explora uma série de temas, intensidades e sensações que estavam no ar e interessavam o público alemão da República de Weimar em 1928. Os temas continuam no ar, estão no ar em Portugal, neste fim de século e milénio”.

E talvez porque continuem “no ar em Portugal” se justifica esta reposição.

E, enquanto não retomam os espectáculos (o que espero que aconteça porque ainda não deu para lá ir) é sempre agradável ir ouvindo em casa as canções de Kurt Weil pela sua voz e esposa LOTTE LENYA, na edição da Columbia/ Masterworks, de 1999 mas com gravações originais dos anos 50/60, que conta com a colaboração de Luís Armstrong.

DOMINGO

Hoje é o dia dos senhores
e dos sóis em algumas línguas. Noutras
já foi ontem ou será depois, conforme
o cansaço divino sucedeu ou
não ao sétimo dia. Vária
gente irá aos templos ou ao parque
passear o cão. É dia de
visitar o lar de idosos ou de
abastecer a nossa arca
congeladora. Os pais solteiros levam
os filhos a comer pizza e outros
putativos progenitores recuperam
as horas de sono convivialmente
líquidas. O ar das ruas
é mais leve devido à pausa de
domingo. Ao menos hoje acontece
algo de bom em nome de Deus.

Inês Lourenço
in Logros Consentidos
& etc Março 2005

sábado, agosto 13, 2005

UMA INTERROGAÇÃO QUE PERMANECE ACTUAL

“[Qual] a independência dos advogados no seu duplo aspecto: em relação aos juízes e em relação aos clientes?
No primeiro aspecto, muito interesse teria averiguar-se de que lado partem as ameaças mais sérias e os ataques mais fundos a essa independência: se do lado dos juízes, por supostamente prepotentes, atrabiliários e surdos aos apelos e vindicações justas dos advogados; ou se, do lado dos próprios advogados por demasiado submissos e conformistas, com vista a assegurar ao cliente o sucesso esperado.
No segundo aspecto – independência do advogado em relação ao cliente – interessaria pôr em relevo qual a importância moral e autonomia efectiva do advogado na direcção do pleito e detectar quais as servidões económicas que comprometem essa autonomia e afectam essa importância”.

Flávio Pinto Ferreira – 1972
In Uma Abordagem Sociológica da Magistratura Judicial


um texto a que retorno com regularidade

UMA ACRESCIDA EXPECTATIVA

Quando, no final deste mês, viajar para o Rio de Janeiro para participar na II Bienal de Jurisprudência Luso-Brasileira, levarei uma acrescida expectativa: será que na viagem de regresso terei Fátima Felgueiras como companheira de avião?

ABRAM OS OLHOS! DESÇAM à RUA!

Apelo de Aydelot, representante do Ministério Público, na abertura solene dos tribunais de Paris, no ano de 1959:

“Abram os olhos, desçam à rua, saiam do neolítico, não permaneçam na vossa torre de marfim, não permaneçam imóveis, de outro modo ficarão sós, é preciso rejuvenescer até os nossos métodos de pensamento”.

A NECESSIDADE DE REVISÃO CURRICULAR

Apanhei este texto em www.confrariadoatum.blogspot.com. Trouxe-o para aqui porque o achei uma delícia.


A necessidade de revisão curricular

Bárbara deslizava a ponta dos dedos pelas mãos de Renato. Debaixo da pele, os seus neurónios sensoriais registavam as linhas da falange, do metacarpo e do carpo. O cheiro da pele de Renato subia pelas membranas até ao bulbo olfactivo e baralhava os sentidos de Bárbara. Bárbara queria dizer a Renato que os receptores dos seus sentidos lhe tinham pregado uma partida e tinham viajado para outros pontos do corpo. Queria-lhe explicar que os seus neurónios sensoriais estavam agora estacionados junto ao ílio e que era aí que sentia as linhas da falange, do metacarpo e do carpo de Renato. Queria-lhe explicar que isso lhe provocava uma contracção do adutor longo e do sartório. Que não sentia a sua respiração junto ao pescoço, mas sim a soprar-lhe na região sacro-coccigeana, percorrendo a região lombar, torácica dorsal e cervical. E que era essa a fonte dos arrepios. E que tinha descoberto que podia facilmente aprender a ler braile com os lábios se o código alfabético estivesse inscrito junto ao esternocleidomastóideo de Renato.

Mas não conseguia. Não conseguia porque tinha estado permanentemente desatenta nas aulas de biologia. E tinha agora chegado à conclusão que os nove anos de escolaridade obrigatória não lhe serviam para as coisas importantes da vida.
posted by Escada de peixe @ 1:30 PM

Parabéns, Escada de Peixe!

sexta-feira, agosto 12, 2005

SERÁ QUE JORGE LACÃO JÁ DESISTIU DE VIR A SER MINISTRO DA JUSTIÇA?

Uma interrogação que me surgiu antes de me ir deitar, vá-se lá saber porquê!
Pode ser que alguém saiba e queira dizer.

CONCORDO!

“… genera mayor confianza aquel juez – sea conservador ou progresista, se halle plenamente integrado o se muestre escéptico frente a las supuestas bondades del sistema – que, sin desoír, obviamente, [los] mandatos [normativos], mantenga coherencia con su proprio perfil ideológico, con su personal talante cívico, en el amplio espectro del ideario democrático, frente al pretendido eunuco político, historicamente destinado a ser ministro o empleado favorito del monarca”.

Luis Fernando Niño

in Juez, institución e ideologia
Rev. Brasileira de Ciências Criminais nº51

RUY BELO - A MARGEM DA ALEGRIA

quando as águas do mar eram ainda águas sem medida revolvidas
e não como hoje são domésticas e mansas
quando os homens viviam na intimidade da sensibilidade e dilatavam
as narinas para aspirar profundamente o cheiro do suor
das mulheres quando após o esforço principia a arrefecer
e todas as palavras eram relativamente novas e caíam como pétalas
e não havia tantas tão miúdas minudências rodeando os corpos

Agora, que há tempo para isso, 120 minutos de poesia de Ruy Belo dita pelo elenco do Teatro da Cornucópia - coom o texto para acompanhar e poder ir lendo também em voz alta.

O amor de Pedro e Inês

e a não deseja como um desejo que ultraja
e a não quer destruir só por um dia a possuir


Uma edição Assírio e Alvim / Sons.

AO CORRER DA REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (3)

Leiam, por favor, este finíssimo naco de prosa.

ARTICULADOS – ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO – RÉPLICA

1º Como escreveu Eça de Queirós, a sua geração – a célebre geração de 70 – absorvia, em ânsias juvenis, tudo quanto ao radioso Progresso, procedente de Paris, desembocava em Coimbra ruidosamente, em caixotes de madeira, na estação dos caminhos de ferro.
2º Depois, “tanto de dia como em alongadas noites de Verão”, esses jovens, tendo assimilado à pressa Proudhon e Hegel, reuniam-se na estúrdia de qualquer taberna e punham-se a discutir metafísica, no meio de sardinha assada e do copo de tinto.
3º Os tempos eram outros, evidentemente. A Academia não devia ser frequentada por jovens desinibidas e libertárias que desviassem a assembleia masculina das tabernas para os jardins de Santa Cruz, acenando-lhe com Wilhelm Reich, mal acabado de chegar, à estação dos caminhos de ferro, cheirando ainda às tintas da tipografia.
4º Mas se Wilhelm Reich não chegou naquele tempo, até porque não existia ainda, chegou, nos finais de uma outra década de 70, a uma outra geração homónima da primeira, menos metafísica e talvez menos prenhe de ideias, trazido no andamento ronceiro de um comboio que foi molestado pelo caminho, olhado certamente com desconfiança, à entrada das fronteiras pátrias.
5º A Revolução dos Cravos – diz o contestante – veio imprimir maior aceleração ao dito comboio e eis que, de súbito, uma dúzia de anos depois, aquele chegou à remota cidade de Guimarães, com os ecos esfarrapados da Revolução de Maio 68, eclodida na sempre progressiva Paris – a eterna Paris que tem o condão de fascinar as sucessivas gerações de 70, com se vê, e da qual esses proto-libertinos, que foram os poetas goliardos, em plena Idade Média já afirmavam: “Paradisus mundi, Parisius”.
6º Os restos mortais da Revolução de Maio 68 aportaram, pois, nesta cidade de Guimarães, trazidos no tal comboio ronceiro, e logo certas “franjas estudantis”, das tais que eram “mais desinibidas e libertárias”, assentaram o seu “quartel-general” nos jardins fronteiros ao Castelo – com diz o contestante – e armadas de brio que animou os nossos maiores na Batalha de S.Mamede, sem demora se arremessaram contra os bastões sagrados da nossa sociedade: “a virgindade, o amor monogâmico e a família, como aparelho repressivo”.
7º Quanto às jovens, as eternas desencaminhadoras da sensatez masculina, como está previsto nas cartilhas marialvas, diz o contestante, que essas se constituíram em corpo expedicionário para, alternadamente e à vez, irem ao Porto fornecer-se das armas dessa batalha, ou seja: a pílula anticoncepcional.
8º O contestante – claro – mal chegado das paragens africanas e tendo superado “ainda somente o quinto ano”, por isso com a música dos Lusíadas no ouvido, logo foi reunir-se a essa Ilha dos Amores, que era, pelos vistos, o jardim do Carmo e o Parque do Castelo.
9º Com a barba a despontar-lhe em pequenos tufos de pêlos, o contestante, que era então um noviço a iniciar-se naquele mística colectiva, ficou a balancear-se entre o amor idealista dos sonetos mais platónicos de Camões, que também tinha de ouvido, e os episódios mais escabrosos dos Lusíadas.
10º Entre a autoridade da família patriarcal e o ambiente dissolvente em que acabara de introduzir-se.
11º Entre a disciplina do ir às aulas todos os dias e a sedutora anarquia de mandar às urtigas tudo o que representasse ordem, autoridade, horários, professores, compêndios com a chancela do “imprimatur”.
12º A mãe da menor, com a convicção que lhe dava a força da idade e os argumentos libertinos respigados, quer nos manuais da Revolta de 68, quer na originalidade “hipye” do “make love not war”, muitas vezes lhe há-de ter dito para se despir das velhas concepções, que o namoro era uma coisa “idiota”, só aceitável no tempo da nossa avozinha, quando esta vinha suspirar para a sacada, enquanto o seu cortejador, cá em baixo, lhe fazia eternas juras de amor.
13º Mas qual quê? Couraçado nos velhos valores, recitando mentalmente aquele Soneto de Camões que começa assim: “Amor é fogo que arde sem se ver...”, o contestante apenas dedicou à mãe da menor uma afeição toda feita de amizade idealista, sem comércio sexual algum.
14º E mais ainda: logo veio a “proibição paterna, formulada vigorosamente”, e o contestante – que remédio! – lá foi vergado ao peso dessa autoridade, certamente acossado, à distância, pelos “slogans” do grupo, que devia gritar “abaixo a família” e atirar para os ares, à sombra do Castelo, como em tempos medievais os goliardos, hinos ao amor, à liberdade e à vida eterna.
15º Esta á mais traço, menos traço, mais pincelada, menos pincelada, a história imaginosa do contestante.
16º Até aqui foi a ficção. Utilizemos agora a técnica da distanciação, à semelhança de Brecht, para chamar o espectador à realidade.
17º A verdadeira história é a que está narrada na petição inicial. Por isso mesmo, se reafirma esta, ponto por ponto, em todo o seu articulado, rejeitando-se, por ficcional, tudo o que em contrário se diz.

(e continua)

António Artur Rodrigues da Costa
Procurador da República *

*Actualmente, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça
Revista do Ministério Público nº9 - 1º trimestre de 1982

O ARRUMAR DOS PAPÉIS (5)

Um recorte do Público, de 30 de Março de 1999

"(...) propomos uma moratória às reformas judiciais avulsas. Parece-nos ser altura de fazer um balanço sobre o que sabemos a respeito desta matéria, reunindo estudos e ideias sobre os diferentes aspectos da reforma judicial, seguindo-se, à semelhança de outras áreas, o modelo da elaboração de um Livro Branco sobre a Justiça. Em nossa opinião, esta é a via alternativa à proliferação de reformas pontuais, ineficazes ou contraproducentes, uma via capaz de inverter a tendência para a deterioração do prestígio da justiça (...).

Boaventura de Sousa Santos
Maria Manuel Leitão Marques
Conceição Gomes
João Pedroso

Investigadores do Observatório Permanente da Justiça do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

"COBRÃO"! QUE CONTINUA A NÃO ME DEIXAR FAZER A FOTOSSÍNTESE.

quinta-feira, agosto 11, 2005

COMO NO TEMPO DO MEU PAI

O meu pai era comerciante. Tinha sido caixeiro. Os que mais jeito mostravam para o negócio, que se mostravam mais capazes, iam ganhando a sua clientela e a certa altura decidiam estabelecer-se por conta própria, assim se chamava. Ter empregados que se estabeleciam era um sinal de prestígio para a casa-mãe. Os patrões ajudavam – davam conselhos, eram os fiadores do arrendamento e davam garantias aos bancos e aos fornecedores, emprestavam dinheiro ou davam boas referências a um sócio-capitalista, cediam o guarda-livros que os ia pondo ao corrente do negócio, indicavam a nova loja aos clientes que pediam alguma coisa que não tinham e até nem se importavam que o ex-empregado levasse alguns clientes consigo. E quando as coisas ao fim de algum tempo não corriam bem, o que às vezes acontecia, o caixeiro lá tinha geralmente outra vez o lugar dele. E o ciclo renovava-se. Ainda hoje uma boa parte dos comerciantes da baixa de Coimbra foi assim que o passaram a ser.
Ora, eu comecei como caixeiro no Incursões e ao ter-me agora estabelecido por conta própria no Mar Inquieto, ainda sem saber se tenho pernas para o negócio, sinto-me como no tempo do meu pai. Tenho de provar a mim e ao meu ex-patrão, que, cumprindo a tradição, me tem ajudado. E a quem agradeço também o prazer de poder continuar a fazer umas horas extraordinárias por conta dele.

COIMBRA COM MAIS UMA ESTÁTUA

A estatuária que tem sido espalhada por Coimbra nos últimos anos é um pavor. A falta de escala dos “oferecidos à cidade” Papa João Paulo II que está nos Arcos do Jardim (de um mestre medalhista, mas não escultor) e Bissaya Barreto que está no Rossio de Santa Clara (de um pintor de reconhecida obra, também no azulejo, mas não como escultor), o piroso piano com um menino nu em cima a tocar trombone (adquirido pela Câmara Municipal a este último) que foi colocado na chamada Praça da Canção vulgo “Queimódromo”, a tétrica composição de peças do corpo humano que também alguém ofereceu e foi pousada no exterior do cemitério da Conchada – são exemplos que deixam os conimbricenses como eu de rabo escaldado.
Recentemente fiquei estarrecido quando li que um dos candidatos à autarquia apresentava como um dos seus projectos emblemáticos erguer na Praça da República uma estátua ao estudante de Coimbra. Acalmei porque acho pouco provável que venha a erguer seja o que for.
Agora foi oferecida nova estátua à cidade. A de Manuel Alegre, da autoria do escultor Francisco Simões. A vida, para a minha sensibilidade, vai melhor com o retrato, mas qualquer objecção caberia ao próprio a exemplo do que fez o Herberto Hélder no Parque dos Poetas de Oeiras. De Francisco Simões só conheço o conjunto escultórico feito sobre o Amor Feliz de David Mourão-Ferreira. E gosto! Embora tenha ficado um bocado desconfiado ao ler que havia uma capa que saía do corpo e se transformava numa asa, se bem me lembro. É que, apesar de nado e criado na Ferreira Borges, simpatizo mais com a Coimbra do Fernando Assis Pacheco:

Não tive nunca nada a ver com as
guitarras estudantes: eu vivia
num lento bairro da periferia
onde a chuva apagava os passos das


pessoas de regresso a suas casas
fazia compras na mercearia
e algum livro mais forte que então lia
já era para mim como um par d’asas


amigos vinham ver-me que eu servia
de ponche ou de Madeira malvasia
para soltar as línguas livremente


um que bramava um outro que dormia
eu abria a janela e só dizia
ao menos estas ruas têm gente.

*Louvor ao Bairro dos Olivais

E EM PORTUGAL?

Depois da movimentação provocada no ano passado pela nomeação de uma professora universitária para directora do Centro de Estudos Judiciários, a ASJP e o SMMP constituiram-se na obrigação de emitir a sua opinião quanto ao Programa de Actividades para 2005/2006 (já aprovado pelo Conselho de Gestão do CEJ e que pode ser lido em www.cej.pt), apresentado como constituindo uma reforma curricular da formação inicial e que é o primeiro elaborado sob a responsabilidade da Prof. Doutora Anabela Rodrigues.

O SYNDICAT DE LA MAGISTRATURE (França) e a ÉCOLE NATIONAL DE LA MAGISTRATURE

Justice, do passado mês de Julho, órgão do Syndicat de la Magistrature, publica as moções aprovadas no seu XXXVIII Congresso, entre as quais uma sobre a Ecole Nationale de la Magistrature (ENM), cujos três primeiros pontos passo a transcrever:

- recorda que a ENM tem por vocação ministrar um ensino aberto e lamenta a vacuidade das reflexões da escola sobre a função de magistrado e a ausência de disciplinas como a sociologia ou a filosofia em benefício de ensinamentos puramente técnicos ou processuais;
- critica a infantilização causada pela avaliação dos auditores de justiça, nomeadamente a classificação final, cuja aleatoriadade e os critérios opacos não reflectem de nenhuma forma as qualidades dos auditores;
- recorda que a ENM tem por vocação facultar um ensino pluralista e denuncia a censura da direcção à participação de certos intervenientes externos escolhidos pelos auditores ou pelos docentes e o pensamento único imposto pela direcção da escola, nomeadamente relacionado com as escolhas orientadas dos intervenientes.

quarta-feira, agosto 10, 2005

II BIENAL DE JURISPRUDÊNCIA LUSO-BRASILEIRA

Vai realizar-se nos dias 1 e 2 de Setembro próximo, no Rio de Janeiro, a II Bienal de Jurisprudência Luso-Brasileira, sobre temas de Direito da Família, numa organização da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), com a participação do Centro de Direito da Família da Universidade de Coimbra.
A I Bienal realizou-se em Setembro de 2003, sendo filha da Bienal de Jurisprudência que em Coimbra se realizou em 2002 e 2004 e que terá a sua 3ª edição no próximo ano - (mais) uma ideia inovadora do Prof. Doutor Guilherme de Oliveira.

COBRANÇA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES ( Acórdão nº 306/2005 do Tribunal Constitucional - Uma Leitura)

No acórdão nº 306/2005 do Tribunal Constitucional (publicado no DR II S, de 05 de Agosto) foi decidido:
Julgar inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de direito, com referência aos nºs 1 e 3 do artigo 63º da Constituição, a norma da alínes c) do nº1 do artº 189º da OTM, aprovada pelo Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, interpretada no sentido de permitir a dedução, para satisfação de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez do progenitor, que prive este do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais.
Uma deliberação com dois votos de vencido, sustentados por uma declaração na qual se expressa a opinião de que “o julgamento de inconstitucionalidade equivale, no fundo, por um lado, a dispensar do pagamento de alimentos o progenitor, que, na acção própria, foi condenado a prestá-los, assim inutilizando a avaliação que, pela via adequada, se fez quanto à sua capacidade de os prestar; note-se, aliás, que a sentença de condenação na prestação de alimentos pode ser alterada, nomeadamente por modificação da possibilidade de os prestar por parte do correspondente obrigado, e equivale, por outro, a transferir a correspondente obrigação para o progenitor a cuja guarda foram entregues os filhos”.
Um acórdão que deve ser lido com atenção, para que se compreendam correctamente a fundamentação e os limites do decidido, nomeadamente:
- que “o critério de comparação com o salário mínimo nacional não é o adequado para determinar a “proibição constitucional de penhora” nesta situação em que (na medida inversa da protecção ao devedor) também o princípio da dignidade da pessoa do filho pode ser posto em causa pelo incumprimento, por parte do progenitor, de uma obrigação integrante de um dever fundamental para com aquele”, podendo “reter-se a ideia geral de que, até que as necessidades básicas das crianças sejam satisfeitas, os pais não devem reter mais rendimento do que o requerido para providenciar as suas necessidades de auto-sobrevivência”;
- devendo ser, aqui, o rendimento social de inserção “o referencial do rendimento intangível adequado ao balanceamento dos interesses em conflito, o que afasta a transposição da jurisprudência que adopta na formulação decisória do julgamento de inconstitucionalidade a referência ao salário mínimo nacional”.

O dia-a-dia confronta-nos, contudo, com situações em que o progenitor que não tem outro rendimento quantificável que não o rendimento social de inserção acorda em conferência, no âmbito de um processo de regulação do exercício do poder paternal, pagar uma prestação alimentar, que não é por regra superior a 50 ou 75 euros. O Ministério Público não tem razões válidas para se opor à homologação do acordo nem o juiz para não o homologar, por três ordens de razões: pode o progenitor a quem não é confiado o filho, apesar da sua situação económica débil, não querer deixar de cumprir a sua obrigação, nem que para isso tenha de comprimir ainda mais as “suas necessidades de sobrevivência”; pode ter apoios familiares ou outros, ou rendimentos ocultos que lhe permitem efectuar o pagamento; pode, ainda, prevalecer a razão pragmática de ser pressuposto do posterior recurso ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos aos Menores a fixação de uma quantia devida a este título.
Em caso de incumprimento, o caminho a seguir pode, por isso, ser diferente: ou transferir a responsabilidade do pagamento para aquele Fundo, desde que os restantes pressupostos também se verifiquem; mas também dar cumprimento ao disposto no preceito da OTM que foi objecto do acórdão do Tribunal Constitucional, se se apurar que, embora tendo como único rendimento quantificável o agora chamado social de inserção, o progenitor devedor beneficia de apoios em espécie, ou tem outros rendimentos não declarados, ou exibe bens ou apresenta hábitos de vida que o situam acima (às vezes, muito!) de quem tem apenas o “rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais”.
A meu ver, este segundo caminho não é contrário à decisão do Tribunal Constitucional porque não viola o princípio da dignidade humana, e importa afirmá-lo porque todos os dias somos confrontados com a (reconhecida) deficiente fiscalização da atribuição do rendimento social de inserção e os (reconhecidos) sinais de rendimentos ocultos, inexistentes em termos fiscais – e esta é, porque tudo o mais está oculto, a única via de cobrança. É que, nestes casos, como se lê também no acórdão, “do lado do progenitor inadimplente não está somente em causa satisfazer uma dívida, mas cumprir um dever que surge constitucionalmente autonomizado como dever fundamental e de cujo feixe de relações a prestação de alimentos é o elemento primordial”.

O ARRUMAR DOS PAPÉIS (4)

Lisboa 18.1.72
Caro amigo:
o teu artigo BREVES NOTAS com pretexto em "19 projectos de prémio Aldonso Ortigão"* foi totalmente cortado pela censura.
Recebe um abraço descensurado da malta do J.
Rui Sousa Fernando
*"19 projectos de prémio Aldonso Ortigão seguidos de Poemas de Londres", de Mário Cesariny de Vasconcelos - Quadrante (Colecção Poesia), 1971.

A DEMONIZAÇÃO DO MAL

Com este título, Christian Pfeiffer publica no nº52 da Revista Brasileira de Ciências Criminais (janeiro-fevereiro de 2005) um artigo sobre os estudos realizados no Instituto de Pesquisa Criminológica de Niedersachsen acerca da percepção da criminalidade pela população e a comparação dos seus resultados com a criminalidade registada na Alemanha, afirmando que “enquanto a criminalidade registada tem diminuído, a população imagina estar menos segura do que nunca”.
Sobre o decréscimo bem visível dos crimes na década de 1993/2003, principalmente entre os mais graves, afirma haver acordo quanto a dois dos factores que para isso contribuiram: “o processo de envelhecimento da nossa sociedade” e “os altos e baixos da imigração nos anos 90”.
Quanto à razão porque a grande maioria das pessoas tem uma ideia errada dos níveis de criminalidade real, afirma haver uma explicação central: “Os media noticiam com muito maior intensidade e carga emocional a respeito de assassinatos espectaculares e de perseguições policiais a ladrões de bancos ou a quadrilhas de invasores de domicílios do que a respeito da criminalidade cotidiana ou de acontecimentos sociais normais. Esta tendência de dramatizar a criminalidade tem-se acentuado em especial desde que as empresas de televisão públicas e privadas disputam a preferência dos espectadores”.
Em consequência da manifestação deste sentimento de insegurança, “os políticos acabam por ver-se cada mais representando o papel de combatentes do mal, por meio de exigências populistas”, o que na Alemanha levou a que, “desde 1990, o legislador [tenha aumentado] consideravelmente as penas de 29 tipos penais ... e os tribunais concretizam essas decisões ...”.
A conclusão geral que extrai é a seguinte:
"O número de delitos na Alemanha não cresceu na última década. Delitos especialmente graves decresceram visivelmente. Mas aumentaram tanto os anseios punitivos da população como a frequência e duração média das penas privativas de liberdade. Essa situação deve-se, em grande parte, às notícias da televisão e aos jornais sensacionalistas e a uma política criminal cada vez mais populista”.
Apela, assim, a que “a pesquisa científica volte a representar um papel importante como fundamento da política criminal”.


Nota: não dispensa a leitura completa do artigo.

terça-feira, agosto 09, 2005

NA HORA DA SESTA

Que falta você me faz - Maria Bethânia

O que foi composto por Vinicius de Morais e Tom Jobin só nas suas vozes continua a ter um sabor especial.


Uma curiosidade

Se, por mera curiosidade, quiserem saber como M.I.A. uma ex-tigre tamil, passem os ouvidos pelo seu mais recente ARULAR.

NÃO DEVE SER BEM ASSIM!

"António Costa salientou que tem sido rara a prisão, domiciliar ou em cadeias, de presumíveis incendiários; e elogiou a decisão tomada, no âmbito de um processo que correu no tribunal do Fundão, de manter um indivíduo em prisão preventiva até ao final da época de incêndios"- leio no Público de hoje (que aponta ainda para a "possibilidade de a época de incêndios ser estendida para uma terceira fase"), e é apenas por este meio que conheço a notícia.
Ou a coisa não é como está descrita, ou a decisão é ilegal! A ninguém pode ser aplicada prisão preventiva com prazo mínimo pré-definido. As "medidas de segurança" de triste memória acabaram, com a democracia!

FRANCISCO JOSÉ TENREIRO (1921 - 1963)

Natural de S.Tomé, poeta da negritude, dele deixo aqui MESTIÇO, em homenagem à voz da literatura africana de expressão portuguesa que se fez ouvir durante o período de dominação colonial.


Mestiço!


Nasci do negro e do branco
e quem olhar para mim
é como que se olhasse
para um tabuleiro de xadrez:
a vista passando depressa
fica baralhando cor
no olho alumbrado de quem me vê.


Mestiço!


E tenho no peito uma alma grande
uma alma feita de adição.


Foi por isso que um dia
o branco cheio de raiva
contou os dedos das mãos
fez uma tabuada e falou grosso:
- mestiço!
a tua conta está errada.
Teu lugar é ao pé do negro.


Ah!
mas eu não me danei...
e muito calminho
arrepanhei o meu cabelo para trás
fiz saltar fumo do meu cigarro
cantei do alto
a minha gargalhada livre
que encheu o branco de calor!...


Mestiço!


Quando amo a branca
sou branco...
Quando amo a negra
sou negro ...
Pois é...
in Romanceiro

AO CORRER DA REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (2)

Descolonização - Crime de traição à pátria

(Procº nº 35/80 da Polícia Judiciáia de Lisboa)
........

Participam os denunciantes identificados (...) contra os denunciados identificados (Presidente da República, ministros, altos-comissários, membros do Conselho da Revolução, etc., nos anos de 1974 e 1975), a quem imputam a prática de um crime previsto e punido pelo artigo 141º do Código Penal.
A queixa refere-se ao processo de descolonização levado a cabo naqueles anos, processo esse que, como é sabido, conduziu à independência das colónias africanas portuguesas, sendo os denunciantes de opinião que a descolonização de fez à margem e mesmo em contradição com as leis constitucionais então em vigor, havendo da parte dos denunciados o propósito consciente de, por meios fraudulentos, efectivar a separação de parcelas do território nacional.
..........
O processo de descolonização, para além dasa razões históricas que o determinaram, foi conduzido dentro do ordenamento jurídico do Estado Português.
Se o programa do MFA, publicado em anexo à Lei Constitucional nº3/74, de 14 de Maio, não era explícito acerca das formas de solucionar as guerras coloniais (cf. B, nº8), posteriormente a Lei Constitucional nº 7/74, de 27 de Julho, veio interpretar autenticamente aquele Programa, esclarecendo que Portugal reconhecia o direito dos povos à autodeterminação, incluindo a independência.
Foi na vigência desta Lei que foram estabelecidas e conduzidas as negociações políticas com os movimentos e partidos que nas colónias lutavam pela independência.
Essas negociações foram sempre conduzidas dentro das formas estabelecidas pela lei constitucional e a homologação dos acordos obtidos obedeceu igualmente a essa lei.
E de tal forma a descolonização na forma como foi concretizada correspondia à vontade do Povo Português que a Constituição de 1976, no artº 7º, depois da declaração de que a política externa portuguesa se baseia no primado do direito dos povos à autodeterminação e à independência, acrescenta (no nº3) que "Portugal reconhece o direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão, nomeadamente contra o colonialismo e o imperialismo, e manterá relações especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa".
Este artigo, que foi aprovado por unanimidade, contém claramente "o reconhecimento histórico do direito de insurreição dos povos africanos contra o domínio colonial português" (Vital Moreira e Gomes Canotilho, "Constituição da República", 43).
...........
Conclui-se, pois, que a actuação dos representantes dos órgãos de soberania denunciados nestes autos foi constitucionalmente legítima, pelo que obviamente não pode constituir ilícito penal, quer o previsto no artº 141º do Código Penal ou qualquer outro".
O Procurador da República
Eduardo Maia Costa

extracto
Revista do Ministério Público nº 2 - 2º trimestre 1980

segunda-feira, agosto 08, 2005

ENCERREMOS O MUNDO COM UM BEIJO

José Luis Piquero

AO CORRER DA REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (1)

Tenho ocupado algumas horas deste período de férias a acompanhar a elaboração e a fazer a revisão do índice de 25 anos/100 números da Revista do Ministério Público. Ou melhor, dos índices: por revista, por autores e por matérias.
Porque vou encontrando coisas que não conhecia ou de que já não me lembrava, aqui as trago de novo à tona.

[A] verdadeira imagem do MºPº, o interesse e tamanho desoculto da sua dimensão social, advem-lhe do modo de intervenção imediata e directa junto das pessoas. São os Procuradores e os Delegados que mais podem contribuir para o enriquecimento positivo e reabilitador dessa imagem, pouco clarificada no presente.
Neves Ribeiro
Auditor Jurídico (actual Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça)
"Ministério Público. Raízes do Passado- Perspectivas para o Futuro"
RMP nº1, Fevereiro de 1980

INCÊNDIOS - ALGUNS DADOS SOBRE MEDIDAS DE COACÇÃO

Até agora a Polícia Judiciária deteve cerca de 80 indivíduos suspeitos de terem provocado incêndios, relativamente aos quais apenas se conhecem as medidas de coacção aplicadas a 57 , tendo 16 destes ficado presos preventivamente, sendo a apresentação periódica a medida de coacção mais aplicada.

PRO URBE - Associação Cívica de Coimbra

Para participar na reflexão sobre os problemas da mobilidade em Coimbra, vá a www.partcipa.fe.uc.pt/.


UM POEMA

Quisemos romper
o caminho do futuro sentimos
o borbulhar da mudança até
que abraçámos a vertigem
estonteante de cegamente querer
agarrar o fumo correndo
à toa.


Tropeçámos na teia
que ajudámos a tecer com a nossa seda
ainda áspera.
Caímos dentro de nós
em cheio.


Fomos então a lassidão e o devaneio
fluindo e refluindo com a cadência das marés
consolou-nos
o fascínio entorpecente
da memória fóssil do tempo
em que nos vivemos.


Hoje não somos mais
um destino plural.


Cadernos de Literatura nº25 - 1986
Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra

O ARRUMAR DOS PAPÉIS (3)

GENOVEVA - UMA CANÇÃO

genoveva acorda todas as manhãs e deixa fugir um astro pela boca - brilham-lhe as magnólias transparentes que escorrem pelos seus cabelos. genoveva planta todos os dias um ventre em cada fêmea e uma nova-vermelha-glicínia em cada homem. genoveva gosta de chamar por mim todas as noites e mostra-me então os seus violinos que lhe embalam os seios e empresta-me as suas vozes (tantas) - as suaves e primaveris para dizer flor poesia maio criança genoveva com elas digo amo-te ou odeio-te ou invento púrpura nos olhos de todas as mulheres. genoveva não é mãe nem filha nem fêmea nem geométrica nem rosa-doçura apenas. genoveva é deusa. genoveva tem os seus caprichos e gosta de montar cometas e de os espicaçar até se transformarem em luas. genoveva todos os dias me diz um poema que vem grávido de sabedoria. genoveva gosta de acompanhar as gestações com a música do vento - por isso passa a todo o momento pelas melomaníacas searas humanas. cada vez que olho para genoveva suas mãos e seus olhos apontam em mim novas cidades e novas aldeias e casas desertas - principalmente casas desertas pois é nestas que genoveva e eu procuramos saber algo mais de nós mesmos. sempre que genoveva olha para mim é como se me enbalasse e então fecho os olhos e parece que sou nuvem e fecho as mãos e sinto que os jardins obscuros que havia em mim são por uma força até aqui desconhecida transformados numa ianudível canção que apenas genoveva e eu ouvimos.
francisco josé domingues
Juvenil do Diário de Coimbra, 11 de Março de 1972
A primeira das cancões para genoveva.
Disse-me que deixou de escrever. Disse-lhe que era pena.

domingo, agosto 07, 2005

AS PRIORIDADES DA POLÍTICA CRIMINAL

Em face do actual contexto constitucional sobre as funções do Ministério Público (nº1 do artº 219º), entendo que se mostra necessário reforçar a ligação entre o Ministério Público e a Assembleia da República (responsável, em última instância, pela definição da política criminal) e que seria desejável, face à impossibilidade prática de conceder igual prioridade a todas as investigações, que esta definisse, de forma geral, quais as prioridades da investigação criminal, dotando o Ministério Público de legislação e dos meios necessários à fiscalização e inspecção do seu cumprimento pelas polícias - escrevi-o em Setembro de 2004 (cfr. Revista do CEJ nº1).
Posteriormente, o programa do Governo passou a consignar que:
No plano da política criminal, a Assembleia da República, sob iniciativa do Governo, passará a prever periodicamente, de forma geral e abstracta, as prioridades da política de investigação criminal, bem como as responsabilidades de execução dessa política, nomeadamente no que respeita ao Ministério Público, com base num novo quadro legislativo específico de desenvolvimento do artigo 219.º da Constituição.
Prevê-se que o Governo tome a iniciativa no último trimestre deste ano, pelo que urge o debate.
Recentemente, foi publicado O que é a política criminal, porque precisamos dela e como a podemos construir? (no nº4º do ano 14 da Revista Portuguesa de Ciência Criminal), no qual Paulo Pinto de Albuquerque aborda o tema.
Concordo parcialmente com ele quando afirma que "a política criminal deste país é definida de um de dois modos (...): ou é definida de um modo atomístico, por cada magistrado do Ministério Público no isolamento do seu gabinete, ou é definida em casos pontuais superiormente pelo Procurador-Geral da República através de directivas sem legitimidade democrática directa". Pois omitiu um terceiro modo: a gestão incontrolável da investigação e dos meios a ela afectos pelas polícias, que dependem hierarquicamente do executivo.
Concordo quando diz que "depois de definida pelos órgãos de soberania, a política criminal deve ser executada de modo uniforme pelos magistrados do Ministério Público, constituindo a subordinação hierárquica dos magistrados do Ministério Público e a subordinação funcional dos órgãos de polícia ao Ministério Público os meios legais de garantir a execução uniforme da política criminal". E sublinho a imprescindibilidade da garantia dos mecanismos legais e meios de efectiva capacidade de direcção e fiscalização pelo Ministério Público da actividade funcional dos órgãos de polícia criminal, que tem vindo a ser fragilizada por sucessivas alterações legais e pelo desinvestimento.
Mas discordo completamente quanto à resposta que dá à pergunta "Que objecto deve ter a política criminal repressiva?":
"O âmbito destas directivas genéricas da AR deve incluir as seguintes matérias: os critérios de distinção entre os casos em que é o Ministério Público que dirige directamente o inquérito e em que delega essa competência em polícias, os critérios de determinação da urgência de processos, os critérios de determinação concreta do tribunal competente nos termos do artigo 16º nº3 do Código de Processo Penal, os critérios de selecção das medidas coactivas mais gravosas, os critérios de diversão no tratamento da qualidade participada (isto é, em que casos o Ministério Pùblico deve promover soluções extrajudiciais e, designadamente, em que tipos de crimes semi-públicos e particulares deve o Ministério Público promover esse tipo de soluções e em que tipos de crimes deve o Ministério Público promover a suspensão provisória do processo), o critério da escolha das formas processuais alternativas do processo e os critérios de escolha e individualização das penas (isto é, a definição de uma política de recurso criminal pelo Ministério Pùblico de decisões judiciais que profiram penas que superem os limites considerados nas directivas genéricas)".
Este elenco reduz a questão praticamente à esfera adjectiva e pretende colocar a Assembleia da República a aprovar uma espécie de regulamento da aplicação pelo Ministério Público do Código de Processo Penal, que "o procurador-geral da República converte[ria] em circulares internas". Teríamos, assim, permito-me o dichote, que cada magistrado do Ministério Público passaria a vir acompanhado do adequado "livro de instruções".
Não é isto o que diz o programa do Governo, que fala da definição, "de forma geral e abstracta, [d]as prioridades da política de investigação criminal". Portanto, espera-se um debate substantivo, necessariamente aberto pela sua importância à sociedade, que conduza à definição dos principais alvos da política criminal, à luz dos valores constitucionais, da análise da criminalidade e dos principais desafios da sociedade de hoje, e à objectivação dos meios imprencindíveis à sua boa execução.
Ao Ministério Público, enquanto responsável por esta execução, respeitado o seu estatuto de autonomia, cabe o "dever de prestar contas à comunidade".

O ARRUMAR DOS PAPÉIS (2)

Em 1971 foi organizada uma ANTOLOGIA DA POESIA JUVENIL PORTUGUESA, pelo José Augusto Queirós (hoje, editor executivo do JN) e pelo Jorge Massada (hoje, jornalista do Expresso). A mãe deste encontrou o material no quarto do filho e pensando tratar-se de coisas da política em que ele andava metido, deu-lhe sumiço.
Pois foi!

KIERKEGAARD (2)

A recordação não tem apenas que ser exacta; tem que ser também feliz; é preciso que o aroma do vivido esteja preservado, antes de selar-se a garrafa da recordação. Tal como a uva não deve ser pisada em qualquer altura, tal como o tempo que faz no momento de esmagá-la tem grande influência no vinho, também o que foi vivido não está em qualquer momento ou em qualquer circunstância pronto para ser recordado ou pronto para dar entrada na interioridade da recordação.
Recordar não é de modo algum o mesmo que lembrar.
Aquilo que se recorda não tem para a recordação a mesma indiferença que aquilo que passa pela memória tem para a memória .
[N]ão esxiste uma comunidade de recordação. No que respeita à memória, aí sim, podem os indivíduos juntar-se e prestar-se assistência mútua. Mesmo se vários indivíduos estão interessados no que constitui recordação para aquele que recorda, este não deixa de estar sozinho com a sua recordação; o aparente carácter público é meramente ilusório.
[À] recordação faz falta um factor de contraste que nada tenha de fantástico.
Fui à gaveta buscar o último trecho de um conjunto a que chamei UM NÓ DE AFEIÇÕES QUE NOS CINGE:
No momento para além da despedida, LEMBRA-ME. Até que, decantada recordação, finalmente te possa ser agradável pensar, ao desfolhares-me na tranquilidade da distância, que nunca ninguém gostou de ti assim. Como um rasgão que nos separa do passado.

y corro a abrirte

Pudo ser ayer o hace un verano,
en una tarde de esas tontas
cuando andaba a saltos de los trenes
o bebía ron con esos guiris.


Pero no, te empeñas en venir
justo a esta hora,
cuando no llueve ni hace frio,
y estoy triste, y ya no tengo
ganas de abrir mi sangre a nadie.


En fin, es justo ahora,
com la olla por los suelos,
y unas ganas de morirme
a cualquier precio, cuando escucho
tus pasos en la hierba,
y llamas, llamas ... dios!,


y corro a abrirte.


Violeta C. Rangel
La posesión del humo, 1997

sábado, agosto 06, 2005

O ARRUMAR DOS PAPÉIS (1)

Quando começamos a arrumar papéis e damos com aqueles sítios a que já não vamos há muito, muito tempo, encontramos cada suspresa!
Um Juvenil da República, de 03 de Agosto de 1971, que saía todas as terças-feiras dentro do jornal, em que está Hélia Correia, Pires Laranjeira, Freire Antunes, José de Matos-Cruz (que, por sua vez, coordenava o Juvenil do Diário de Coimbra), Jorge Manuel Tomás Henriques (que poucos meses depois criou, com José Gil, o Juvenil d'O Castanheirense, em Castanheira de Pêra).
Mas não só. Eu, com um poema dos meus 19 anos, chamado As Parcas (Clotho - Lachesis - Atropos), que me dispenso de transcrever, não para me furtar à crítica, acreditem!, mas porque o estou a tentar reescrever por ser um tema que me seduz. Mas, aquilo que queria dar nota é a participação de José Manuel Durão Barroso (hoje, só José Manuel Barroso), com um texto chamado Planeando o Meu Nascimento, que tem a seguinte epígrafe:
Ao fim de contas nascer é um acto importante e que só acontece uma vez. Porque não fazer a coisa decentemente, já agora? Não teremos o direito de sermos croquetes algumas vezes na vida?

MEMÓRIA

Na nova secção de documentação, inserimos um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre um projecto legislativo relativo ao arrendamento das "repúblicas" de estudantes. Para além da relevante repercussão que tal parecer teve na subsequente actividade legislativa da Assembleia da República, traçam-se nessa peça valiosas considerações sobre as associações sem personalidade e sobre o próprio regime do arrendamento, que mantêm plena actualidade. Não podemos, porém, esconder que não foi alheia a essa escolha o facto de o relator desse parecer, que permanecia inédito, ter sido o VÍTOR DO CARMO, companheiro de muitos de nós nas lides sindicais e na luta por um novo Ministério Público em Portugal, também ele colaborador assíduo desta revista, cujas qualidade de jurista, que não ignora o mundo que o rodeia, estão patentes nesse trabalho.

da Nota de Abertura da Revista do Ministério Público nº25, de Jan/Mar de 1986

A FORMAÇÃO DEONTOLÓGICA

FORMAZIONE, STATUS E DEONTOLOGIA DEI MAGISTRATI é o título de um artigo de Bruno Giangiacomo e Giuseppe Santalucia publicado na Questione Giustizia (bimestrale promosso da Magistratura democrática) nº2/2005.

Partindo da premissa de que:

Progressivamente però maturò la convinzione che l’efficacia della formazione in vista dell’elevazione della qualità della giustizia, sul presupposto generalmente acettato della conessione stretta tra qualità del servizio reso e valore professionale dei magistrati, non potesse affidarsi soltanto all’affinamento del património di sapere técnico. Questo, infatti, per quanto ricco, non fa di un magistrato un buon magistrato se non trova completamento nell’attenzione ai saperi extragiuridici e nella riflessione sui profili di ética del ruolo

interrogam-se:

Ma como fare del dover essere dei magistrati una matéria d’intervento della attività di formazione senza che la proiezione deontica innervi di improprie relazione gerarchiche il momento formativo?
Le difficoltà di risposta lasciavano il campo (...) al timore di fare della formazione un veicolo di imposizione di modelli ideali costruiti secondo le logiche di maggioranza (...) il pericolo che il discorso formativo sulla deontologia possa risolversi nell’imposizione di modelli.


e advertem para as dificuldades que se poderão verificar na formação dos auditores de justiça em matéria de deontologia, quando estes não têm ainda experiência judiciária:

L’assenza nell’uditore giudiziario di un’esperienza di sé come magistrato rischia di alterare in matéria la fisionomia delle attività formative, che corrono il pericolo di essere vissute come luogo in cui si impertiscono verità, rispetto alle quali si puo tenere un atteggiamento di accettazione o, all’opposto, di rifiuto, e non invece come luogo privilegiato di osservazione, senza ambizioni pedagogiche, del modo di essere e di rapportarsi professionalmente agli altri.
Non sembra allora che sia felice la scelta consiliare di recente sperimentata di innestare nei programmi dei corsi di formazione degli uditore giudiziari “una sessione immediatamente esplorativa dell’impegno deontológico della funzione”.
Può anche esser vero che la matéria stettamente ordinamentale sai avvertita dagli uditores giudiziari come lontana e poco utile; il rimedio, però, non consiste nel farle perdere la centralatà che merita, quanto nel recuperare il deficit culturale che ne è alla base. Questa sembra la strada per preparare un sucessivo impegno formativo sui profili deontologici, evitando che le forti motivazioni ideali che animano l’impegno dei neomagistrati facciano poi propendere per un approccio enfatizzato e quindi distorto al piano del dover essere.


O Centro de Estudos Judiciários, no Plano de Actividades para 2005/2006, inseriu a “Ética e Deontologia” no currículo do 1º ciclo da formação inicial, o que aplaudo. A reflexão feita por Giangiacomo e Santalucia neste artigo é, seguramente, um importante contributo para o debate quanto às sensíveis opções concretas de conteúdo e método de abordagem da temática. Para o que ela aponta, também, é para a necessidade de o tratamento da ética e da deontologia não se ficar pelo 1º ciclo, para a necessidade de aproveitar a experiência do 2º ciclo nos tribunais e, para além da reflexão que deve ser e é feita durante esta aproximação à pràtica judiciária como magistrado, transportá-la para o 3º ciclo, no qual deveria ter também um espaço, este inevitavelmente mais rico em termos de compreensão das exigências da função e de autoformação.

sexta-feira, agosto 05, 2005

PORQUE É QUE O PAÍS NÃO PÁRA DE ARDER?

Repetindo-se o cenário dos últimos anos, o país continua a arder e as televisões continuam a dar grande cobertura às chamas e à dor e sofrimento das pessoas cujos bens perigam ou foram mesmo atingidos.
O que há este ano de diferente é que deixou de ser tema de disputa político-partidária, o que, sinceramente, não sei se é bom se é mau.
A questão dos incêndios é uma catástrofe nacional, cujas razões é urgente esclarecer. A detenção de alguns indivíduos que suposta ou confessadamente atearam fogos e o perfil do incendiário que a Polícia Judiciária vem divulgando – no fundo, um homem de meia-idade, vulgar de lineu, que actuará por motivos fúteis – não chega. A explicação não pode estar toda, se é que está na sua maior parte, em actos isolados de índole criminosa.
O problema está no estado de abandono das matas, associado às altíssimas temperaturas e ventos fortes?
O problema está no mau ordenamento florestal, na proliferação de eucaliptos que ardem que nem fósforos e cujas folhas são projectadas a arder a grande distância provocando novos fogos?
O problema está em interesses económicos da madeira, ou da construção civil?
O problema está na indústria do fogo e nos focos de poder local e na indústria e serviços que se têm robustecido com anos e anos sucessivos de grandes fogos florestais?
O Ministro António Costa disse hoje que, paralelamente ao esforço de apagar os fogos, se deve continuar a fazer prevenção. Acrescentarei que, também simultaneamente, se devem esclarecer, apurar as causas desta calamidade, não se fazendo passar a ideia de que é uma mera questão de conseguir deter mais uns delinquentes por conta própria que por aí andam a atear fogo. Para isso, as televisões podiam dar um importante contributo, substituindo a apresentação maciça de imagens do fogo (esquecendo-se os seus responsáveis das questões que a esse propósito já no ano passado foram levantadas) e o desrespeito pelo sofrimento das pessoas prejudicadas, por programas pedagógicos e de debate sobre este problema, contribuindo, assim sim, para a formação cívica e o esclarecimento democrático.