sexta-feira, agosto 26, 2005

DIÁRIO DE UMA AUSÊNCIA

25/08


PXO

Contam-se pelos dedos das mãos os que passeiam pela areia dura da baixa-mar entre Vila Baleira e a Calheta, na orla de um mar verde que um ou outro raio de sol menos coado pelas nuvens vai lapidando como a uma grande esmeralda. O barco aproxima-se pachorrento vindo do Funchal. O Ilhéu de Cima e o Ilhéu de Baixo readquirem a dignidade de guardiães da ilha e devolvem-na a si própria. Para muitos é o fim de época, o fim da festa. Era agora que eu cá continuava, mas não se me aplicam as palavras que a outrem dediquei:

Chegaste até aqui
com um apressado vagar.

No vagar é que
mesmo na pressa
se encontra o sabor do caminho.


24/08

CURSOS DE PREPARAÇÃO PARA ADMISSÃO NO CEJ

Vi anunciada na imprensa escrita a abertura de inscrições para um dos cursos de “preparação para admissão ao Centro de Estudos Judiciários”. A subsistência e aumento do número destes cursos não é dissociável do modo como é feita a selecção dos candidatos para o ingresso no CEJ e de uma certa padronização dos testes escritos, para a qual, de resto, tem também contribuído a existência daqueles.
Os chamados “cursos de preparação”, partindo da análise dos testes escritos e dos critérios de classificação dos últimos anos, procuram fornecer aos candidatos a resposta pertinente a temas e perguntas previsíveis, de acordo com uma grelha de correcção esperada. São cursos talhados para um objectivo muito específico: que quem os frequenta passe naqueles testes.
Não constituem, por isso, a meu ver, um contributo, que é desejável, das Universidades para o melhor apetrechamento dos licenciados que se assumem como candidatos ao ingresso nas profissões forenses.
Desconheço qual a “taxa de êxito” desses cursos. Apenas tenho os dados, publicados, do inquérito feito aos auditores de justiça que ingressaram no XX Curso Normal de Formação (ano de 2001/2002) *. Dos 110 auditores de justiça do curso, 68 responderam à pergunta sobre se tinham frequentado algum curso de preparação para admissão ao CEJ, tendo 48 respondido que sim e 20 respondido que não. Mas, tomando-se em consideração que os testes escritos das matérias jurídicas visam fazer uma reavaliação da aprendizagem obtida nas licenciaturas dos conhecimentos essenciais das principais áreas do direito, permitindo a lei que seja consultada toda a bibliografia que o candidato consiga transportar consigo, quem frequenta aqueles cursos beneficia ainda, normalmente, dos dossiês com doutrina e jurisprudência seleccionadas por temas, dos quais pode fazer transcrições que, mesmo sendo inúteis para a abordagem do caso concreto, com grande probabilidade o beneficiarão na classificação final.
Repetindo o que já disse e escrevi noutras ocasiões, entendo que a avaliação dos conhecimentos de direito deve incidir essencialmente sobre a capacidade, em face de situações concretas, de sobre elas reflectir, de utilizar adequadamente os conhecimentos jurídicos pertinentes, de encontrar para elas respostas jurídicas suficientemente fundamentadas, de demonstrar ponderação na sua análise – ou seja, uma avaliação não limitada ao conhecimento memorizado, ou à transcrição acrítica da doutrina e da jurisprudência disponíveis. Devendo as provas de acesso ser construídas de forma a serem capazes de aferir estes conhecimentos e estas capacidades.
E, a manter-se a exigência de que os candidatos ao ingresso no CEJ terão de ser licenciados há pelo menos dois anos, impõe-se que o concurso público inclua a análise e discussão curriculares.

* “Sociografia dos Auditores de Justiça – XX Curso Normal”, Fernanda Infante e Rui do Carmo, ed. CEJ – Julho 2002


HOMENAGEM AO DR. SÁ COIMBRA (1919-2005)

Acabo de saber, pelo telefone, que faleceu o Dr. Sá Coimbra.
Em homenagem a este “magistrado íntegro e radicalmente independente” que, no fascismo, foi marginalizado e perseguido quer “[pelo] poder político, quer [pelo] poder corporizado nas instituições judiciárias” e que, por isso, “ficou a marcar passo na 1ª instância, até que o regime democrático instituído pelo 25 de Abril lhe fez justiça”, aqui transcrevo um extracto de um recente texto sobre ele escrito pelo Dr. Artur Rodrigues da Costa, publicado no blog Cum Grano Salis e no nº 101 da Revista do Ministério Público, ao qual pertencem também as situações já feitas:
“Pergunto: onde é que estão os políticos da nossa democracia que nunca foram capazes de encontrar, nos meios judiciais, homens como este para lhe atribuírem uma pequena distinção, em nome da comunidade que eles serviram com honra e verdadeiro empenho cívico, quando esbanjam comendas a torto e a direito por uma espécie em voga: os novos ricos da democracia? Onde estão eles, afinal, que, quando se lembram de atribuir honrarias desse tipo a magistrados, vão indagar junto dos presidentes dos conselhos superiores a quem as devem atribuir?”

Escritor de grande qualidade, tive pena que devido ao seu estado de saúde não tenha sido possível incluir, em 2004, A Chancela no programa do II Ciclo Justiça e Literatura.


ACHO QUE JÁ DESCOBRI!

É um dos professores da “Universidade de Verão” que funciona aqui ao lado, no Bar do Henrique (boas lapas grelhadas, acrescento eu), todas as manhãs.


23/08

AINDA A “UNIDADE DE MISSÃO PARA A REFORMA PENAL”

Decidi reler a Resolução do Conselho de Ministros que constituiu a Unidade de Missão para a Reforma Penal, pois surgiram-me dúvidas sobre a opinião a que aderi logo que tive conhecimento da sua criação e constituição.
Leio no nº1 da Resolução que “tem por objectivo a concepção, o apoio e a coordenação do desenvolvimento dos projectos de reforma de legislação penal” – que deverão ser aqueles que estão enunciados no programa do Governo, penso eu. Parece-me que a criação desta estrutura é positiva se tiver em vista procurar garantir a coerência e articulação entre as diversas intervenções legislativas anunciadas (prioridades de política criminal, alterações ao Código Penal e ao de Processo Penal, execução das penas, etc.), uma vez que a incoerência e a desarticulação entre diplomas legais estão entre os problemas actuais da produção legislativa, provocando ineficácia e enfraquecendo a sua força normativa.
Compõem-na, para além do coordenador, um conselho integrado por membros de departamentos do Ministério da Justiça ou sob a sua tutela e um membro do gabinete do próprio ministro. E o nº4 estabelece que “o coordenador da UMRP pode propor ao Ministro da Justiça que sejam convidados a participar em reuniões do conselho (...) representantes do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, bem como professores universitários de áreas científicas consideradas relevantes para a reforma penal”.
Ora, está aqui o centro das críticas: a não integração na composição do conselho da UMRP de membros do CSM, do CSMP e da OA, o que vem sendo entendido por alguns como uma forma de marginalizar os profissionais do foro, os que aplicam a lei e melhor conhecem o funcionamento e os problemas do sistema de justiça penal, do debate e concepção das reformas legislativas.
Também assim comecei por pensar, influenciado por algumas atitudes de gratuito afrontamento que o Ministro da Justiça tem adoptado no relacionamento com magistrados, advogados e funcionários de justiça, o que me levou a concluir de imediato: cá está mais uma atitude de afrontamento.
Há, contudo, que tomar em consideração que este governo se demarcou da ideia de Pacto da Justiça defendida pelo anterior, em face da qual fazia todo o sentido a constituição de um colectivo que integrasse o poder político e também os órgãos representativos e de gestão das profissões forenses. E que afirmou assumir a responsabilidade política de apresentação das suas próprias propostas, pelo que faz sentido que constitua um órgão que, sob a dependência do Ministro da Justiça, conceba os “projectos de reforma da legislação penal” que pretende vir a apresentar; assim como faz sentido que tal órgão tenha necessidade de ouvir o CSM, o CSMP, a OA e professores universitários no processo da sua elaboração, sobre aspectos técnico-jurídicos e da sua incidência na prática judiciária.
Este caminho permite, de resto, dois tipos de clarificações: por um lado, clarifica que as opções de política criminal (em sentido lato) não são questões meramente técnicas, mas essencialmente escolhas políticas ideologicamente informadas; por outro lado, clarifica a autoria e a responsabilidade dos projectos, que são inequivocamente do governo.
Elaborados os projectos, então há que haver um debate amplo, no qual o CSM, o CSMP e a OA desempenharão um papel muito importante, que terá de ser necessariamente alargado às associações sindicais do sector, à sociedade civil, a todos os cidadãos. Em que se debaterão as opções político-legislativas, as soluções técnico-jurídicas escolhidas para a sua concretização, o texto concreto dos projectos, e serão apresentados todos os contributos tendo em vista a elaboração da versão final a ser aprovado pelo Governo ou a ser apresentada por este à Assembleia da República.
Nessa fase é que têm de ser exigidas as condições necessárias a uma ampla participação democrática.



MAS, AFINAL, QUEM SERÁ?

Lá vão eles outra vez a passar. Hoje são só sete. E o tal do boné de pala, que faz os outros rir muito, é interpelado por um miúdo que lhe pede um autógrafo.
Mas, afinal, quem será?



22/08

COIMBRA ARDE

São impressionantes as descrições que me fazem dos incêndios em Coimbra, na própria cidade de Coimbra, quer pelas áreas atingidas, quer pela intensidade do fogo, quer pela completa ausência de meios de combate!


21/08

BASE – Nova revista de criação literária

Identifiquei-me com as primeiras frases do Editorial do nº1 desta recém editada “revista de criação literária”, dirigida por Ana Costa Franco e Susana Moreira Marques:
O começo de qualquer coisa é sempre determinante. Por isso é tão difícil fazer o primeiro editorial. (E o primeiro número).
E, propondo-se tratar um tema em cada número, achei ser um salutar gesto de bom humor a escolha de ERROS para começar - não inteiramente ingénua e fortuita, confessam.
Comprei-a com alguma expectativa, mas a leitura das 191 páginas de prosa, poesia e alguma fotografia não lhe correspondeu, quer na qualidade dos textos quer porque o tema só muito longinquamente se percepciona..
Foi-me agradável percorrer a escrita de Alexandra Lucas Coelho no conto Abu Holi:
Ahmed falou do amor à espera, lá onde o Inverno é branco. Da sua prometida, a mulher que chegara como quem abre uma janela, tomando tudo nos braços.
Achei curioso o conjunto de poemas chamado Música para surdos e mudos, dedicado a um “Zé Carlos” pela brasileira Cristina Maria de Medeiros, que começa por explicar:

Porque Zé Carlos não me ama,
publicarei estes versos.
Assim,
outras pessoas também poderão
não me amar.


É que:

Zé Carlos é um homem que pra viver cortou todos os desperdícios

Inclusive o desperdício dessas minhas palavras.


20/08

FRIO

Uma lágrima
que se evapora
sem penetrar a pele.


Uma asa
que se desprende
e cai.


O CHEIRO E O SABOR

“Mas, quando nada subsiste de um passado antigo, após a morte dos seres, após a destruição das coisas, apenas o cheiro e o sabor, mais frágeis mas mais vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, permanecem ainda por muito tempo, como almas, a fazer-se lembrados, à espera sobre a ruína de tudo o resto, a carregar sem vacilações sobre a sua gotinha quase impalpável o edifício imenso da memória”.
MARCEL PROUST.



QUEM SERIA?


Eles eram uma dúzia. Só homens, não tinham nada aspecto de ser um grupo de top-models nem de virem de uma festa do jet-set embora fossem acompanhados por um fotógrafo que, de espaços a espaços, se adiantava e lhes tirava várias fotografias. Passeavam à beira-mar e um deles, de boné de pala, destacava-se porque gesticulava e falava mais alto do que os outros e para os outros, tendo o condão de os pôr todos a rir mal abria a boca e dizia duas ou três palavras. E assim continuaram.
Pus-me a andar em sentido contrário. E fui a pensar: quem seria?


19/08

CLARO QUE É PREPOTÊNCIA

Claro que é prepotência jornalística não ter o Público de hoje feito uma chamada à primeira página do esclarecimento do Procurador-Geral da República sobre uma notícia publicada a 14 de Agosto com direito a manchete, que imputava, falsamente, ao Conselho Consultivo da PGR a responsabilidade pela demora de 16 anos em qualificar um acidente de serviço sofrido por um inspector da PJ.


CADA CASO é UM CASO!?

Os procuradores e juízes, que ainda há bem pouco tempo eram acusados de não lerem a Constituição da República Portuguesa, são agora convidados a não fazerem uma interpretação demasiado formalista dos pressupostos de aplicação da prisão preventiva e a entenderem cum grano salis os “fortes indícios” exigidos pela lei processual penal.


É ASSIM A VIDA

A Coral acode-me à sede, mas é a Laurentina que eu persigo.




18/08

CHEGADA A LISBOA

trrrriiim, trrrriiim, trrrriiim
Estou!? Estou quase a chegar! Como? Como? Não oiço ...

uuUUUaaAAA, uuUUUaaAAA, uuUUUaaAAA, uuUUUaaAAA
Sim! Sim! Eu vou directamente para aí. Estarei aí dentro de um quar... Está lá? Está-me a ouvir agora? Estava a dizer que vou directa ...

pstpst
Ès tu? És tu? És tu, amor? Que porcaria de telefones! Amor? Já estás há muito tempo à espera, amor? Que merda!

pararanpararanpararanPANpararanpararanpararan, pararanpararanpararanPAN
Ó Alfredo, conseguiu o material todo? Para que horas é que marcou a reunião? Alfredo!? Alfredo!? Está-me a ouvir? Devo ter ficado sem rede. Já me ouve? Às 10 horas? Não, não é preciso, eu apanho um táxi!

uuUUUaaAAA
Aguente aí as pessoas, que eu dentro de um quar ... Outra vez!? Foda-se!

Kzzzzzzzt, Kzzzzzzzt, Kzzzzzzzt, Kzzzzzzzt
Diga, Amália! Pode marcar para as três da tarde! E peça ao gabinete de planeamento o dossiê! Quero tê-lo comigo logo que chegue! O Baptista já está em Santa Apolónia!? Até já!

miau, miau, miau. ahahahahahahah, ahahahahahahah. plocplocploc. Mas eu disse-lhe para me ir buscar ao Oriente! uáuá, uáuá, uáuá, uáuá. Vais com o papá, também é bom. Não te esqueças de lhe levar o chapéu! A mamã leva-te uma prenda. Vestiste-lhe a roupa que eu deixei escolhida? vvvv, vvvv. Já acordaste? Que é que vais fazer agora?

pi, pi, pi, pi, pi, pi
Diz, filho! Estou a chegar a Lisboa. Às quatro estou aí no Porto.

uuUUUaaAAA

Não, não foi para você. Desculpe lá, pensei que a chamada tinha caído. Olhe, eu vou directamente para aí. Depois explico-lhe o que aconteceu.

éstãoboaéstãoboa, éstãoboaéstãoboa, éstãoboaéstãoboa
Isto parece um avião. Tem televisão e música e tudo.

trrrriiim
Já tentei mais de uma vez mas estavas a falar. Sempre vamos almoçar? Tá! À meia-hora. A que hora é que tens de estar aí outra vez? Ainda dá para estarmos um bocadinho juntos. Os gajos esperam por mim!

pst

Amor!? Amor!? Já te estou a ver, amor.


PFFFFFFFFFFF