sábado, agosto 27, 2005

O ACONTECIMENTO

Este é o tema do dossiê do nº 6 (Primavera de 2005) da TRAJECTOS - Revista de Comunicação, Cultura e Educação, editada pelo Departamento de Sociologia do ISCTE e dirigida por José Rebelo, que tem como texto central Entre o facto e sentido: a dualidade do acontecimento, de Louis Quéré.
Defendendo o acontecimento como “fonte de sentido”, distingue-o do facto nos seguintes termos: “o acontecimento só pode ser compreendido a partir do seu futuro e da sua posteridade. Recolhe a sua individualidade do futuro e do destino que abre. Em contrapartida, o facto pode ser compreendido a partir do seu passado e da sua ascendência”. E sobre o sentido novo projectado pelo acontecimento, afirma:
“Há coisas que acontecem e que julgávamos impossíveis de acontecer, porque excediam o pensável ou o nosso sentido do possível. Ao acontecerem, somos obrigados a reconhecer que havia possibilidades, potencialidades ou eventualidades. Podemos também imaginar o que teria podido passar-se de diferente, ou como é que as coisas teriam também podido produzir-se. Somos, portanto, impelidos a rever o nosso sentido do possível, a descobrir “os possíveis que eram os nossos” e a inscrever na ordem das eventualidades o que até então parecia impensável. Essa revisão do sentido do possível tanto diz respeito ao passado como ao futuro. (...) Enfim, o acontecimento pode afectar profundamente o horizonte dos possíveis que serve de pano de fundo ao traçar dos nossos projectos”.
Este número da TRAJECTOS abre com um artigo de Mário Mesquita sobre Teorias e práticas do jornalismo do telégrafo ao hipertexto, em que trata o conceito de objectividade nos meios de comunicação social que associa, do ponto de vista tecnológico, à invenção do telégrafo, e à fase industrial da imprensa, enquanto “forma de operar a transformação dos pequenos auditórios homogéneos do “espaço público iluminista” no “grande público” heterogéneo da metrópole em crescimento”, pois “o papel do jornal, no novo espaço citadino, consiste em criar consensos, em unificar as populações, em ser o menor denominador comum nas metrópoles em crescimento”, pelo que se criou “uma doutrina profissional da “factualidade”, contrapondo-se aos antigos periódicos de opinião e de causas, os jornais de notícias e de histórias”.
Mas refere que “as práticas de investigação do “jornalismo objectivo” entraram em crise com a mudança das tecnologias da transmissão para as tecnologias em rede. Normativos tradicionais, tais como a regra de ouvir as partes em confronto num litígio, antes de divulgar a informação, revelam-se desajustados da rapidez na circulação da informação e dos respectivos reflexos na tomada de decisões editoriais”. Para depois, confrontando-o com o hipertexto, concluir que “os modelos do “realismo” e da “objectividade jornalística”, criados na era do telégrafo, ajudaram a configurar uma doutrina profissional que visava atingir uma versão única, supostamente objectiva do acontecimento. O hipertexto, pelo contrário, convida o leitor a um sucessivo aprofundamento do relato jornalístico, ao cotejo de múltiplas versões, a um certo relativismo epistemológico. (...) O paradigma linear da rede telegráfica difere, manifestamente, da abertura pluridimensional facultada pela “teia”.
Tânia de Morais Soares, em Os media portugueses na Internet: contributos para uma cibersociologia, faz uma constatação curiosa: “o meio líder que domina tradicionalmente em termos de audiência e em termos de lançar a agenda do dia dos media que os outros seguirão, que é a televisão, surge agora on line subordinado às formas de apresentação e organização da informação mais próxima das lógicas da imprensa escrita, dando-se, num suporte que é multimédia, uma clara dominação do texto escrito como modo fundamental de comunicação”. E levanta a questão do papel de gatekkeper que “parece estar a ser protagonizado na Internet pelos portais de acesso, dada a sua capacidade de hierarquizar a informação, conferindo visibilidade ou mantendo na bruma a espectacular diversidade de informação/conteúdos disponibilizados na Rede”.
Ou seja, uma revista a não perder por quem se interessa por estes temas.