domingo, agosto 07, 2005

KIERKEGAARD (2)

A recordação não tem apenas que ser exacta; tem que ser também feliz; é preciso que o aroma do vivido esteja preservado, antes de selar-se a garrafa da recordação. Tal como a uva não deve ser pisada em qualquer altura, tal como o tempo que faz no momento de esmagá-la tem grande influência no vinho, também o que foi vivido não está em qualquer momento ou em qualquer circunstância pronto para ser recordado ou pronto para dar entrada na interioridade da recordação.
Recordar não é de modo algum o mesmo que lembrar.
Aquilo que se recorda não tem para a recordação a mesma indiferença que aquilo que passa pela memória tem para a memória .
[N]ão esxiste uma comunidade de recordação. No que respeita à memória, aí sim, podem os indivíduos juntar-se e prestar-se assistência mútua. Mesmo se vários indivíduos estão interessados no que constitui recordação para aquele que recorda, este não deixa de estar sozinho com a sua recordação; o aparente carácter público é meramente ilusório.
[À] recordação faz falta um factor de contraste que nada tenha de fantástico.
Fui à gaveta buscar o último trecho de um conjunto a que chamei UM NÓ DE AFEIÇÕES QUE NOS CINGE:
No momento para além da despedida, LEMBRA-ME. Até que, decantada recordação, finalmente te possa ser agradável pensar, ao desfolhares-me na tranquilidade da distância, que nunca ninguém gostou de ti assim. Como um rasgão que nos separa do passado.