domingo, agosto 28, 2005

QUEM SÃO OS MAGISTRADOS PORTUGUESES ? (2)

O estudo realizado pela equipa coordenada por Boaventura Sousa Santos e publicado em 1996 sob o título Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas – o caso português (ed. CES/CEJ/Afrontamento) não teve por objectivo conhecer e caracterizar os magistrados portugueses, mas inclui os resultados de um inquérito à opinião dos cidadãos sobre o direito, a justiça e os tribunais, bem como sobre o perfil profissional do juiz. Questões como a imparcialidade e o papel do juiz, as qualidades e atribuições exigíveis à função judicial, o sexo e a idade foram aí tratadas como “matéria-prima com base na qual se vão construindo e sedimentando as representações sociais” e “dispositivos sóciopsicológicos com base nos quais os cidadãos definem as suas estratégias tanto para usar como para evitar os tribunais”, baseando-se na seguinte hipótese de trabalho:
“A distância entre cidadãos e instituições, que redunda no uso escasso dos tribunais, redunda também em opiniões em geral negativas a respeito dos tribunais e dos seus profissionais; no entanto, dada a heterogeneidade social da nossa sociedade, são grandes as variações segundo as características sociológicas dos inquiridos e de região para região”.

Entre 1998 e 2002 foram desenvolvidos trabalhos que procuraram dar contributos para a resposta à pergunta aqui formulada, partindo da recolha de informação sobre os auditores de justiça que, tendo sido formados no Centro de Estudos Judiciários, ingressaram na magistratura. Trabalhos estes da autoria da socióloga Fernanda Infante, tendo eu sido co-autor de um deles.
O mais abrangente, sobre a Composição Social dos Auditores de Justiça (que foi publicado em duas fases: a primeira com o título Sociografia dos Auditores de Justiça – Alguns resultados preliminares de uma investigação em curso (in O Ministério Público, a democracia e a igualdade dos cidadãos, Cadernos da Revista do Ministério Público nº10, 2000); e a segunda com o título Composição Social dos Auditores de Justiça; Quem são os magistrados portugueses? Contributo para um estudo (in Que Formação para os Magistrados Hoje?, edição SMMP, 2000) pretendeu responder às seguintes questões:
- Será que a idade dos magistrados em exercício de funções nos tribunais permite continuar a falar da sua juventude?
- O progressivo acesso das mulheres a determinadas profissões reflecte-se na magistratura portuguesa?
- Os magistrados são, tendencialmente, dos meios rurais ou dos meios urbanos, sabido que a origem geográfica ”poderá ser potenciadora de influências sócio-culturais mais ou menos tradicionais e conservadoras?”
- A opção pelo ingresso na magistratura é precedida de alguma experiência profissional?
- Existe “reprodução geracional” – são os magistrados filhos de magistrados ou de outros profissionais da “família jurídica”?
- Qual o seu percurso académico e de formação profissional?
- A opção pela magistratura “é uma escolha interior ou determinada por motivos associados a uma profissão socialmente reconhecida, ou, ainda, a alguma previsão de insucesso designadamente na carreira da advocacia”?
- E a opção pela magistratura judicial ou pela magistratura do Ministério Publico é determinada por razões intrínsecas ou extrínsecas ao auditor de justiça?

Um outro, denominado Sociografia dos Auditores de Justiça do XX Curso Normal de Formação (Fernanda Infante/ Rui do Carmo, ed. CEJ, Julho de 2002) teve “o duplo objectivo de conhecer melhor a composição e características do curso e, assim, poder melhorar-se a organização da formação”.
Para além de terem sido recolhidos e tratados os dados respeitantes ao sexo, idade, estado civil, distrito de residência e de nascimento e origem universitária, e formuladas perguntas sobre alguns aspectos relevantes para a execução do programa curricular - foram os auditores de justiça inquiridos sobre familiares com profissões jurídicas, sobre a frequência de cursos de preparação para admissão no CEJ, sobre o momento da decisão de candidatura à magistratura e sobre a motivação de tal candidatura.

Em 1998, chegado há um ano ao CEJ como docente, desenvolvi um estudo mais específico, que designei de Estudo Exploratório sobre a Opção pela Magistratura do Ministério Público (in Cadernos da Revista do MP nº10, já cit.), que foi motivado pela insistência com que se dizia que a formação era essencialmente orientada para os aspectos que interessavam mais à actividade do juiz, para cuja opção se procuraria captar os mais bem classificados, sendo ideia muito difundida que os piores classificados iriam para o Ministério Público – ao mesmo tempo que existia um acentuado desinteresse pela necessidade de estudar, avaliar e debater tal realidade.
Visou procurar conhecer dados objectivos, recolhendo e tratando informação sobre quantos magistrados tinham sido formados pelo CEJ, o seu percurso académico e no Centro, as suas opções de magistratura e as indicações disponíveis quanto ao que a poderia ter influenciado.

Como referi no primeiro texto sobre o tema, o que vamos tendo em Portugal são “reflexões, estudos parcelares, por regra assumidos como exploratórios, e a apresentação de dados ainda pouco trabalhados”. Que são, contudo, um princípio para um tratamento sistemático do tema.

a continuar