segunda-feira, agosto 08, 2005

O ARRUMAR DOS PAPÉIS (3)

GENOVEVA - UMA CANÇÃO

genoveva acorda todas as manhãs e deixa fugir um astro pela boca - brilham-lhe as magnólias transparentes que escorrem pelos seus cabelos. genoveva planta todos os dias um ventre em cada fêmea e uma nova-vermelha-glicínia em cada homem. genoveva gosta de chamar por mim todas as noites e mostra-me então os seus violinos que lhe embalam os seios e empresta-me as suas vozes (tantas) - as suaves e primaveris para dizer flor poesia maio criança genoveva com elas digo amo-te ou odeio-te ou invento púrpura nos olhos de todas as mulheres. genoveva não é mãe nem filha nem fêmea nem geométrica nem rosa-doçura apenas. genoveva é deusa. genoveva tem os seus caprichos e gosta de montar cometas e de os espicaçar até se transformarem em luas. genoveva todos os dias me diz um poema que vem grávido de sabedoria. genoveva gosta de acompanhar as gestações com a música do vento - por isso passa a todo o momento pelas melomaníacas searas humanas. cada vez que olho para genoveva suas mãos e seus olhos apontam em mim novas cidades e novas aldeias e casas desertas - principalmente casas desertas pois é nestas que genoveva e eu procuramos saber algo mais de nós mesmos. sempre que genoveva olha para mim é como se me enbalasse e então fecho os olhos e parece que sou nuvem e fecho as mãos e sinto que os jardins obscuros que havia em mim são por uma força até aqui desconhecida transformados numa ianudível canção que apenas genoveva e eu ouvimos.
francisco josé domingues
Juvenil do Diário de Coimbra, 11 de Março de 1972
A primeira das cancões para genoveva.
Disse-me que deixou de escrever. Disse-lhe que era pena.