terça-feira, agosto 09, 2005

AO CORRER DA REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (2)

Descolonização - Crime de traição à pátria

(Procº nº 35/80 da Polícia Judiciáia de Lisboa)
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Participam os denunciantes identificados (...) contra os denunciados identificados (Presidente da República, ministros, altos-comissários, membros do Conselho da Revolução, etc., nos anos de 1974 e 1975), a quem imputam a prática de um crime previsto e punido pelo artigo 141º do Código Penal.
A queixa refere-se ao processo de descolonização levado a cabo naqueles anos, processo esse que, como é sabido, conduziu à independência das colónias africanas portuguesas, sendo os denunciantes de opinião que a descolonização de fez à margem e mesmo em contradição com as leis constitucionais então em vigor, havendo da parte dos denunciados o propósito consciente de, por meios fraudulentos, efectivar a separação de parcelas do território nacional.
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O processo de descolonização, para além dasa razões históricas que o determinaram, foi conduzido dentro do ordenamento jurídico do Estado Português.
Se o programa do MFA, publicado em anexo à Lei Constitucional nº3/74, de 14 de Maio, não era explícito acerca das formas de solucionar as guerras coloniais (cf. B, nº8), posteriormente a Lei Constitucional nº 7/74, de 27 de Julho, veio interpretar autenticamente aquele Programa, esclarecendo que Portugal reconhecia o direito dos povos à autodeterminação, incluindo a independência.
Foi na vigência desta Lei que foram estabelecidas e conduzidas as negociações políticas com os movimentos e partidos que nas colónias lutavam pela independência.
Essas negociações foram sempre conduzidas dentro das formas estabelecidas pela lei constitucional e a homologação dos acordos obtidos obedeceu igualmente a essa lei.
E de tal forma a descolonização na forma como foi concretizada correspondia à vontade do Povo Português que a Constituição de 1976, no artº 7º, depois da declaração de que a política externa portuguesa se baseia no primado do direito dos povos à autodeterminação e à independência, acrescenta (no nº3) que "Portugal reconhece o direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão, nomeadamente contra o colonialismo e o imperialismo, e manterá relações especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa".
Este artigo, que foi aprovado por unanimidade, contém claramente "o reconhecimento histórico do direito de insurreição dos povos africanos contra o domínio colonial português" (Vital Moreira e Gomes Canotilho, "Constituição da República", 43).
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Conclui-se, pois, que a actuação dos representantes dos órgãos de soberania denunciados nestes autos foi constitucionalmente legítima, pelo que obviamente não pode constituir ilícito penal, quer o previsto no artº 141º do Código Penal ou qualquer outro".
O Procurador da República
Eduardo Maia Costa

extracto
Revista do Ministério Público nº 2 - 2º trimestre 1980