sexta-feira, setembro 30, 2005

QUID JURIS?

O Joaquim está preso preventivamente à ordem de um inquérito.
O Ministério Público arquiva o inquérito por falta de indícios suficientes da autoria de crime.
O que fazer quanto ao Joaquim? Libertá-lo de imediato?
Quem está a ler este texto, que não se precipite a dizer logo: obviamente que sim!
É que há quem ache que não!?
Porquê?
Porque o artº 214º.1.a) do Código de Processo Penal determina que “as medidas de coacção extinguem-se de imediato com o arquivamento do inquérito, se não for requerida a abertura da instrução”.
Consequência: o Joaquim corre o risco de ficar mais de 20 dias preso preventivamente à espera que, eventualmente, seja requerida a instrução; se não o for, então sim, será libertado.
Quando se chega a uma conclusão destas e se tem algum sentido de justiça, a campainha do absurdo costuma alertar: atenção, não podes estar a ver o filme todo.
Acreditando minimamente que o legislador teve alguma sensatez, há que procurar na lei uma fundamentação, que tem de existir, para a libertação do Joaquim. Se não se encontra à primeira, porque o Código é novo, foi comprado há poucos dias e os artigos não estão no mesmo sítio, e, assim, fica em crise o sentido do que se pensa ser a justiça, não há nada como sair do gabinete, ir tomar um café e, como quem não quer a coisa, perguntar ao empregado de mesa o que acha – se ele não identificar na história um inimigo de estimação nem um político com fama de corrupto, a resposta vai obrigar a uma procura mais atenta no Código.
Até que será encontrado o artº 212º.1.b) daquele mesmo Código de Processo Penal (ali tão perto, afinal!), que diz: “As medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar (...) terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação”. Como, para a sua aplicação, tiveram de existir “fortes indícios da prática de crime”, e o inquérito foi arquivado por falta de indícios da autoria de crime, 2 + 2 = deixaram de subsistir as circunstâncias que justificaram a aplicação da prisão preventiva.
Se, depois de todo este esforço intelectual, surge o receio de estar sozinho nesta ousada operação interpretativa, pegue-se nas Jornadas de Direito Processual Penal do CEJ, de 1988, procure-se o artigo sobre medidas de coacção de Odete Maria de Oliveira e leia-se a página 188; e pegue-se no Código de Processo Penal Anotado de Simas Santos e Leal-Henriques, 1º volume, 2º ed., 1999, até encontrar a página 1029. Isto para falar de dois livros que todos têm! Será, então, sentido o regozijo de um difícil raciocínio bem conseguido porque a companhia dos melhores dos nossos não engana.
Claro que, no caso, a lei complica um bocadinho, mas há que não demorar muito, porque o Joaquim está lá dentro à espera.


Espero que o Joaquim, se for dado à blogosfera, já possa andar por aqui.

É A PRAXE, SENHORES!

O Diário de Coimbra chama à primeira página (meia primeira página, mais concretamente) a notícia da chegada a Coimbra dos jovens que aqui vêm iniciar os seus estudos no ensino superior, apresentando-os, em duas fotografias, assentes no chão pelos joelhos e mãos, ou seja “a quatro”, titulando a manchete de Praxe integra caloiros e a notícia interior de Caloiros acolhidos por colegas mais velhos que os apelidam de bestas ... mas é a praxe!. O texto é o que se imagina a partir do título.
Nestas alturas, volto sempre ao Torga: “[A Coimbra], a tradição parola colou-lhe um rabo-leva atroz, carnavalesco e fútil. Os rapazes que nas suas escolas não souberam aprender o sentido profundo das coisas, confundiram um pedaço da natureza e da pátria com uma oleogravura de bordel” (in Portugal).
E, claro, continua a discutir-se e a rediscutir-se (ainda ontem no debate organizado pela Conselho da Cidade e a Pro Urbe com os candidatos às autárquicas) o atraso de vida cultural que é esta cidade dos “doutores”.

quinta-feira, setembro 29, 2005

SALA DE AUDIÊNCIAS

O nº 103 da Revista do Ministério Público (que será distribuído na 1ª quinzena de Outubro) irá abrir a reflexão e o debate sobre a sala de audiências com a publicação, na secção Justiça & História, de um estudo do investigador António M. Nunes ,cujo título é Falando das Salas de Audiências. Diz-me onte te sentas ... :

"A Sala de Audiências, com mais ou menos variantes, tal qual chegou ao século XXI, instaura uma determinada ordem social, assente na separação predefinida dos papéis sociais, bem como na demarcação dos estatutos profissionais. Ao entrar no Templo da Ivstitia, o utente penetra numa esfera da sacralidade, sempre apercebida através dos acessos e da demarcação dos espaços internos, da divisão entre o lugar reservado aos utentes e os espaços de entrada e circulação interditos, mesmo naqueles edifícios de paredes nuas e construção gelidamente funcional. Melhor do que qualquer outro espaço da “Domus”, a Sala de Audiências reclama solenidade, outrora mais ostensiva e pomposa, agora crescentemente banalizada. Ainda assim, o mobiliário estratificado, os fardamentos diferenciados, as formas de tratamento, o Juiz e os funcionários, instauram incessantemente uma determinada ordem, dizendo quem é quem, reforçando determinadas representações sociais".

POEMA SÂNSCRITO

Ao desejoso amante ela atrasou a posse,
adiando-a sábia no prazer das doces falas.
Eis senão quando o jovem, de esperar cansado,
nos braços lhe adormece, e tão profundamente!

Índia Clássica
séc.IV - séc. X

tradução de Jorge de Sena

FALTA EXACTAMENTE A AVALIAÇÃO COMENTADA

No site do CEJ pode ler-se um documento que dá pelo título Concurso de Ingresso – Avaliação Comentada (www.cej.pt/finicial1.htm), que, pese embora não seja, de facto, uma avaliação comentada, fornece elementos sobre o mais recente concurso de admissão ao Centro de Estudos Judiciários que importa consultar e que vêm confirmar o panorama de anos anteriores.
Progressiva feminização dos candidatos aprovados (80% neste último curso); irrelevância da prova de “cultura geral” na avaliação dos candidatos e elevada importância da prova de direito civil, comercial e direito processual civil; esmagadora maioria de candidatos aprovados provenientes de universidades públicas, particularmente das Universidades de Lisboa e Coimbra; poucos candidatos ao concurso licenciados nas outras universidades públicas (Porto, Minho e Nova de Lisboa); destaque, no que respeita aos candidatos aprovados das não públicas, da Universidade Católica do Porto.
Falta agora a análise comentada, que esperava encontrar quando li o título do documento – que terá de abranger a análise do regime de prestação das provas, a adequação destas aos objectivos, os critérios de avaliação das mesmas e, mais a montante, a preparação jurídica e cultural que as universidades fornecem aos seus licenciados.

quarta-feira, setembro 28, 2005

A BECA QUE JÁ NÃO ENCOBRE O JUIZ

A leitura do Público de hoje (refiro-me às notícias sobre a vida e o percurso de juízes que intervieram ou intervirão no processo de Fátima Felgueiras) leva-me a transcrever aqui a parte inicial do texto da intervenção que proferi no II Encontro do Conselho Superior da Magistratura, que decorreu em Faro, a 3 e 4 de Dezembro de 2004.

“A beca, hoje, continua simbolicamente a marcar uma distância mas significa, sobretudo, que o Homem desaparece debaixo da função. Debaixo da beca pode estar o António, o José ou a Maria. Naquele momento e naquele lugar quem ali está é o Juiz. O conteúdo significante da beca é exactamente esse, não ser julgado pelo juiz “tal”, mas, apenas, pelo ou pela Juiz. Sob a beca (ou a toga) aquele que a traja torna-se um arquétipo”.
“(…) No dia em que os Juízes julguem “à civil” bem pode acontecer que alguém na audiência os interpele: “em nome de quem nos julga?”.
Quem o afirma é o conferencista desta sessão, o Juiz Desembargador Orlando Afonso, no seu livro “Poder Judicial – Independência in Dependência”. Mas a verdade é que o debate sobre o dever de reserva ganha hoje ainda maior importância precisamente porque, embora os juízes continuem a “julgar com beca”, esta cada vez menos encobre o juiz “tal” ou evita a pergunta “em nome de quem nos julga?”.
Porquê?
Porque existe uma maior atenção sobre a justiça, sobre os magistrados e o seu trabalho, um maior escrutínio público da actividade judiciária, fruto de uma maior consciência de cidadania - um efeito da democracia, para o qual muito contribuiu a existência de uma imprensa livre, que noticia e cria opinião não só sobre o funcionamento do aparelho de justiça e os casos judiciais, mas também sobre o percurso profissional dos magistrados responsáveis por processos com repercussão pública, a história dos dossiês em que tiveram intervenção, assim como sobre o seu percurso pessoal e a sua vida, pública e privada, sendo certo que, com alguma frequência, os objectivos de informar e esclarecer os cidadãos se misturam ou se deixam mesmo sobrepor por outros que vão da mera satisfação da curiosidade pública até à tentativa de deslocar os processos para fora dos espaços em que devem ser decididos, e de influenciar essa decisão.

OS NOVOS TERRITÓRIOS DO DIREITO - GLOBALIZAÇÃO, EUROPEIZAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA REGULAÇÃO JURÍDICA

Este seminário é uma iniciativa do Mestrado “Novas Fronteiras do Direito”/Secção Autónoma de Direito, organizado em cooperação com o DINÂMIA - Centro de Estudos sobre a Mudança Socio-económica.

Data e Local
Segunda-feira 10 de Outubro,ISCTE, Sala B203 (Edifício II)

Programa

Manhã

09.15 Abertura

09.30 Globalização e direito (Moderador/relator: Pierre Guibentif )- André Jean Arnaud «Alguns impactos da Globalização sobre o Direito: novas fontes, novos actores, novas ferramentas»- Patrícia Galvão Teles «A globalização e as novas fronteiras do direito internacional»- João Salis Gomes «Globalização, redefinição estratégica do Estado e direito das políticas públicas»

11.30 Europeização e direito (Moderador/relator: Maria Eduarda Gonçalves)- Jacques Ziller «L’Européisation du droit: de l’élargissement des champs du droit de l’Union Européenne à la transformation des droits des États Membres»- António Goucha Soares «Europeização e direito: caso do direito da concorrência»- António Monteiro Fernandes «Europeização do direito do trabalho»

Tarde

15.00 Novos princípios, novos direitos e novos modos de regulação (Moderadores/relatores: Maria Eduarda Gonçalves/Pierre Guibentif)- Pierre Lascoumes «L’action publique vue sous l’angle de ses instruments»- Paula Lobato de Faria «Biodireito – Nas Fronteiras da Ciência, da Política e da Ficção Científica»- Pedro Quartin Graça «Autoregulação e Política Legislativa – Um caso de Sucesso: a Publicidade»

16.45 Para uma nova agenda de investigação em direito – Mesa-Redonda
- Sínteses das sessões precedentes: Maria Eduarda Gonçalves/Pierre Guibentif- Fernando Borges Araújo- José Maria Castro Caldas

Inscrições

A participação é gratuita, mediante inscrição prévia.
As fichas de inscrição (vd. ficheiro anexo pdf) deverão ser enviadas até ao dia 6 de Outubro, quinta-feira,ao DINÂMIA (ISCTE, gab. 2N18): dinamia@iscte.pt ; fax: 21 794 00 42.
Para mais informações, dirigir-se à Dra. Maria José Rodrigues (Dinâmia, tel.: 21 790 30 78 ou 21 793 86 38) ou à Cristina Ferreira, secretária da Secção autónoma de Direito (até 30 de Setembro ; maria.ferreira@iscte.pt ; tel. 21 790 32 81 ou ext.: 713411).
(Ver também o folheto informativo; formato .pdf; uma folha A4; 164 KB, em anexo)

terça-feira, setembro 27, 2005

AUTÁRQUICAS - COIMBRA - DEBATE DIA 29 (Organização do Conselho da Cidade de Coimbra e da Pro Urbe)

Que futuro para Coimbra?
Conselho da Cidade de Coimbra e Pro Urbe organizam debate público com candidatos autárquicos de Coimbra: 29 de Setembro, Quinta-feira, 21,00 horas, no Auditório da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Os principais candidatos autárquicos à Câmara Municipal de Coimbra confirmaram a sua presença no debate.
Este será o único debate público entre os candidatos à Câmara Municipal de Coimbra, nas eleições autárquicas de 9 de Outubro, podendo ajudar desde já a esclarecer algumas dúvidas no espírito dos cidadãos de Coimbra.
Espera-se, deste modo, que se possam repetir os debates de sucesso, realizados aquando das duas últimas eleições autárquicas, onde a participação de largas centenas de pessoas permitiu discutir e clarificar alguns dos assuntos mais estruturantes para a cidade de Coimbra.
As temáticas a abordar serão muitas e variadas. Contudo, é entendimento das associações promotoras que os candidatos à liderança possam responder a algumas das preocupações que nos parecem mais importantes. Entre elas, destacamos as seguintes:
1 – Transparência e democraticidade da vida municipal – mecanismos de participação dos cidadãos e associações na condução da política municipal, nos seus variados aspectos;
2 – Sustentabilidade do concelho de Coimbra – grau de exigência de qualidade urbana, de forma multifacetada, onde interagem o modelo urbanístico, a qualidade do ar e da água (saneamento básico, abastecimento e poupança de água), a eficiência energética, a recolha e tratamento de resíduos e os espaços públicos ao dispor dos cidadãos. A juntar a estas preocupações, importa saber as prioridades e métodos de eficaz gestão na reformulação do Plano Director Municipal, bem como a criação de uma rede de espaços verdes e definição de corredores ecológicos;
3 – Mobilidade e transportes – que política de transportes para a cidade de Coimbra, numa visão integrada em termos regionais e nacionais e qual o papel que o Metropolitano Ligeiro do Mondego ocupa nessa definição. Acresce a importância que o Metropolitano pode conferir à requalificação urbana do centro da cidade;
4 – Modelo de desenvolvimento económico – quais as políticas ao nível da manutenção e criação de emprego, no estímulo de projectos empresariais, ao licenciamento comercial e à fixação de jovens (apoio ao empreendorismo);
5 – Políticas sociais – qual o papel que o município deve desempenhar a este nível, em especial no que se refere aos idosos, aos jovens e aos desempregados?
6 – Política cultural – que projecto cultural para a cidade ao nível da gestão dos espaços culturais, na promoção de uma rede de agentes culturais e na definição dos mecanismos de apoio à formação, produção e divulgação cultural?
7 – Parque judiciário – perante o actual parque judiciário, dispendioso, distante e organizado de uma forma caótica e indigna, importa saber como pensam os candidatos resolver, junto do Governo, a situação dos actuais tribunais em Coimbra. Além disso, na sequência da “novela” iniciada à volta de uma nova penitenciária, torna-se crucial conhecer a estratégia defendida, e a forma de a concretizar, por parte dos candidatos. E qual o apoio que o município pretende dar, para reforçar o papel do Gabinete de Consulta Jurídica, em conjunto com a Ordem dos Advogados?
Estes são, apenas, alguns dos temas que achamos merecer a atenção dos candidatos à liderança da autarquia de Coimbra. Esperemos pelo debate para obtermos alguns esclarecimentos. A metodologia do debate será semelhante ao verificado noutros debates autárquicos, com a ordem das intervenções a ser sorteada inicialmente, tendo os candidatos uma primeira intervenção de 15 minutos, seguido de um período de cerca de 45 minutos de perguntas por parte do público. No final, por ordem inversa à inicial, será dada a oportunidade, em cerca de 10 minutos, para os candidatos responderem às perguntas que considerarem ser mais importantes.
Apelamos, assim, à participação dos cidadãos neste evento tão importante, para que a sua opinião seja tida em consideração pelos candidatos à Câmara Municipal de Coimbra, num debate que esperamos venha a ser esclarecedor sobre o projecto que cada um dos candidatos tem para a cidade de Coimbra nos próximos quatro anos.
Para quaisquer esclarecimentos, é favor contactar Maria de Lurdes Cravo, Presidente do Conselho da Cidade de Coimbra, pelo tlm 967725510.
Cordiais saudações cívicas
Conselho da Cidade de Coimbra
Pro Urbe – Associação Cívica de Coimbra

DEDICATÓRIAS

DEDICACE

Ah! mille flammes, un feu, la lumière,
Une ombre!
Le soleil me suit,

Jacqueline me prolonge.

Paul Éluard
Corps mémorable - 1948




DEDICATÓRIA

Não sei me queres
em tua casa
na tua biblioteca
na folha de rosto deste livro
que agora te ofereço.


Por isso me vesti de lápis
à mercê
do esquecimento.


Mas se me apagares ficarei
nesse gesto contigo
para sempre.

OS DEFENSORES DA TESE DA VINGANÇA VÃO VER REFORÇADO O SEU ARGUMENTÁRIO? AGUARDO ANSIOSO!

ENCAMINHAMENTO PARA A ADOPÇÃO A TÍTULO PROVISÓRIO?

De vez em quando aparece-me um processo de promoção e protecção em que foi aplicada a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, a título provisório.
Parece-me evidente que, pela sua própria natureza, esta medida não pode ter nunca natureza provisória.

segunda-feira, setembro 26, 2005

POBREZA CULTURAL

“Há cerca de 4 anos que o pai não paga a pensão de alimentos da forma como foi estipulada. No entanto, procede a algumas compras para a filha tal como sapatos, telemóvel, entre outras”.
É com frequência que leio informações deste tipo em relatórios sociais respeitantes ao incumprimento, pelos pais, do pagamento da pensão de alimentos devida aos filhos que estão confiados e a viver com as mães. E é também com frequência que os ouço a dizer isto de viva voz.
A compra e o carregamento do cartão do telemóvel dos filhos é a bandeira com que os pais relapsos exibem a sua modernidade, a sua adesão ao choque tecnológico. A alimentação, a saúde, a educação e outras necessidades secundárias, essas ficam a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
É com esta pobreza cultural que convivo todos os dias.

MAIS UM EXEMPLO

A utilização por Fátima Felgueiras do palco do Tribunal para lançar, no horário de abertura dos telejornais, a sua candidatura à Câmara Municipal de Felgueiras foi mais um exemplo de que, por teimosa impreparação, no triângulo justiça-política- comunicação social a justiça é o lado mais frágil.

(estrofe de) ÂNSIA

Não me deixem tranquilo
não me guardem sossego
eu quero a ânsia da onda
o eterno rebentar da espuma

Novembro 1981

MIA COUTO
in Raiz de Orvalho e Outros Poemas
Ed. Ndjira - 1999

domingo, setembro 25, 2005

A AFIRMAÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO

Deixo aqui transcrito o texto da intervenção que proferi no Fórum Nacional do Ministério Público, realizado no dia 23 de Setembro em Lisboa.

Saúdo todos os colegas presentes nesta demonstração de unidade da magistratura do Ministério Público em defesa:
- da autonomia do MP e da independência dos Tribunais;
- da modernização, da eficácia e da qualidade de um serviço de justiça acessível e ao serviço de todos os cidadãos de forma igual;
- da auto-responsabilização da nossa magistratura no cumprimento cabal das suas funções constitucionais e estatutárias, mas também da responsabilização política e pública dos restantes órgãos de soberania pelo cumprimento das suas responsabilidades na área da justiça;
- de um estatuto sócio-profissional que dignifique a nossa função, não cego ao dever de solidariedade nacional, mas que rejeite basismos serôdios ou eventuais intenções de ofender a dignidade dos Tribunais e de quem os representa.
O Ministério Público é uma magistratura cujas funções, definidas na Constituição da República Portuguesa, lhe atribuem o objectivo institucional de defesa da legalidade, que não se fica apenas pelo exercício da acção penal e pela participação na execução da política criminal.
As suas atribuições desdobram-se, também:
- na representação em juízo e na assessoria jurídica ao Estado;
- na representação, defesa e garantia de acesso à justiça dos incapazes e dos mais desprotegidos;
- na promoção processual do interesse público, bem como dos interesses colectivos e difusos;
- na defesa da independência dos tribunais e da conformidade do exercício da função jurisdicional com a Constituição e a lei, e na fiscalização da constitucionalidade.
Este conjunto de atribuições, que implicam o Ministério Público na defesa de interesses fundamentais da Comunidade e da legalidade democrática, caracterizam a sua posição e importância como componente do órgão de soberania Tribunais, mas também caracterizam a sua posição no desenho e equilíbrio da organização do poder político constante da Parte III da Constituição da República Portuguesa, que se caracteriza pela “separação e interdependência de poderes” como é expressamente referido no seu artº 2º. E o respeito pela matriz constitucional, a sua defesa e aprofundamento, deverão constituir o denominador comum no debate sobre as reformas da justiça.
Conjunto de atribuições a cujo cumprimento está indissociavelmente ligado o seu estatuto de autonomia, a obediência única à lei e a imposição de isenção e objectividade; e que têm, a par da defesa do interesse público e da afirmação do direito, o objectivo de garantir a efectiva igualdade dos cidadãos perante a lei.
A proliferação e implantação de poderes fácticos, a que estão associados a generalização e os progressos das actividades de loobbing; a cada vez maior proximidade, entrelaçamento e confusão entre a governação e os interesses económico-financeiros; o pragmatismo como princípio da acção política; a volatilidade da Constituição e a legislação feita por medida; a ideia do carácter absoluto da legitimidade democrática obtida pelo sufrágio – são características dos dias de hoje que favorecem o caminho no sentido da “privatização da defesa jurídica da sociedade” e do “livre jogo dos donos [privados] do conflito”, e convivem mal com o exercício pelo Ministério Público das funções que lhe estão confiadas; com as suas funções de “gatekeeper do sistema”, como já foi chamado
·.
Daí que se procure restringir a sua intervenção à área criminal. Não sendo possível pela via constitucional e legislativa, então o caminho seguido consiste: na limitação do recurso, pelo Estado, à representação pelo MP e às suas atribuições legais de consulta e assessoria jurídica (de especial relevância em matéria civil e administrativa), restringindo-as progressivamente aos casos em que tal é obrigatório, ou em que não se interpenetram interesses políticos e económicos cuja composição importe salvaguardar de “estranhas intromissões”; pela limitação dos instrumentos e meios de intervenção para cumprimento das competências previstas na lei; pela cedência às pressões dos interesses que têm em vista a privatização do impulso processual para a defesa e afirmação dos direitos dos mais desprotegidos.
Daí que, na própria área criminal, se procure condicionar o exercício da acção penal: reforçando a intervenção policial autónoma em áreas consideradas sensíveis para aqueles interesses, em que a actuação do Ministério Público se vê progressivamente limitada pela dependência dos meios que só a polícia dispõe e gere, seja ao nível da capacidade de direcção da investigação criminal seja, desde logo, ao nível da própria detecção e notícia dos factos com relevância criminal.
A afirmação recorrente de que o Ministério Público tem excesso de poder é apenas uma forma eufemística de manifestar a incomodidade pelo exercício integral e cabal das funções que lhe estão confiadas, que se traduzem essencialmente em poderes de iniciativa que são objecto de um controlo multifacetado: político, judicial e pelos cidadãos. Só pode significar medo da afirmação da legalidade democrática e da afirmação prática do princípio constitucional segundo o qual “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
O Ministério Público vive entre as amplas competências que a Constituição e a lei lhe atribuem e as insuficiências e os bloqueamentos práticos que o impedem de as exercer cabalmente.
O caso da jurisdição administrativa é paradigmático, por isso a ela me irei referir.
Aí, o Ministério Público tem uma ampla legitimidade processual: para defesa da legalidade democrática – zelando por que a Administração actue em obediência à lei e ao direito, no respeito pelo princípio da igualdade e de forma justa e imparcial; para a promoção da realização do interesse público; para a protecção dos direitos, liberdades e garantias; e para a defesa dos demais valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida e o património cultural.
Mas, a verdade, é que ao alargamento das competências da jurisdição administrativa e das funções aí exercidas pelo Ministério Público, e à sua expansão territorial, não correspondeu o necessário reforço de meios humanos e de apoio técnico. Quando o número de tribunais de 1ª instância com competência em matéria administrativa era de 5, o quadro de Procuradores da República era de 23; agora, que são 16 os tribunais, o número de Procuradores da República apenas aumentou para 37. E, com um tipo de intervenção processual diferente, que exige uma melhor organização dos serviços e um reforçado apoio técnico, de que depende a capacidade de colocar em execução um programa pró-activo de acção pública, não só não existem assessorias técnicas nem orçamento para as contratar, como existem mesmo tribunais onde o MP não tem colocado no seu quadro nenhum funcionário. Isto, para além do que se passa a montante, para além dos filtros da Administração por que passam os factos antes de serem dados a conhecer ao MP e das dificuldades que este tem, amiúde, em obter os elementos de que necessita para exercer o seu múnus, ao ponto de ter de recorrer ao processo de intimação para poder exercer a acção pública.
Qual o resultado: o completo esgotamento da actividade do Ministério Público na representação do Estado-Administração, em acções de responsabilidade civil extra-contratual e contratual; e a incapacidade de exercer as suas outras competências, criando-se um grave vazio, nomeadamente, na defesa (que deve ser também promoção), que está a seu cargo, de valores e bens constitucionalmente protegidos de grande relevo para a vida em sociedade e, portanto, para os cidadãos, para a comunidade – vazio que só por ingenuidade se poderia pensar poder ser colmatado pela intervenção dos particulares, ou mesmo das ainda incipientes associações cívicas.
Ou seja, também aqui, à ilusória consignação na lei de amplas competências e “poderes” corresponde uma verdade de falta dos instrumentos necessários à sua execução.
O Ministério Público, para exercer as suas funções de órgão de justiça a quem cabe a defesa, nos tribunais, de valores e bens essenciais da comunidade necessita dos meios humanos e dos instrumentos de acção que lhe permitam assumir uma posição pró-activa, a única adequada à intervenção que a Constituição e as leis lhe exigem como magistratura de iniciativa.
Mais e melhores meios têm, de facto, de ser exigidos:
- mas, perspectivados em função do que é necessário para um cabal cumprimento das suas atribuições, do papel constitucional que lhe é atribuído, do programa de acção pública que estes lhe impõem, e não de uma estreita contabilidade das actuais rotinas diárias;
Mais e melhores meios são, de facto, necessários:
- mas, na perspectiva de uma intervenção com objectivos, que deixe de viver aprisionada dentro do processo, que esteja próxima dos cidadãos e da realidade social em que intervém, que não ceda à atracção do mimetismo para com a postura funcional do juiz;
Mais e melhores meios são, de facto, urgentes:
- para uma maior e melhor capacidade de intervenção, que não passa, a meu ver, por um alargamento exponencial do número de magistrados e pela sua funcionalização, mas sim por uma melhor gestão dos quadros, pela modernização dos métodos de gestão e de trabalho, por boas assessorias administrativas e técnicas, pela especialização e pelo reforço da formação.
Exigível, necessária e urgente é também a colaboração dos poderes públicos no esforço para garantir a afirmação e a aplicação das leis da República.
Estas breves palavras são:
- de afirmação da importância das funções do Ministério Público num Estado de direito democrático e da sua autonomia como condição da independência dos tribunais;
- de defesa de um Ministério Público de iniciativa e próximo dos cidadãos;
- de apologia de um Ministério Público com objectivos e que preste contas pelos resultados da sua acção.

Estou certo de que estes objectivos nos unem!

· Expressão utilizada por Cunha Rodrigues (“Poder. Lei e Cidadania”, in Em Nome do Povo, Coimbra Editora – 1999).

MAIS UMA VEZ OS TÍTULOS

O Público de ontem, 24 de Setembro, na página 9, citava as seguintes palavras proferidas pelo primeiro-ministro:
"Não compete aos políticos pronunciarem-se sobre as decisões judiciais e por mais estranhas que pareçam essas decisões devemos respeitá-las".
O título da notícia era "SÓCRATES DIZ QUE A DECISÃO DA JUÍZA FOI "ESTRANHA".
Eu não sei o que é que sobre o assunto pensa o primeiro-ministro, mas o que ele disse não é o que consta do título da notícia. Só que este introduz, como convém, mais um factor de conflito no tratamento do tema.
É bom para o carnaval mediático. O leitor que se fica pelos títulos fica desinformado. O leitor da noticia recebe, à cabeça, esta sugestão de interpretação.

sábado, setembro 24, 2005

A VERSATILIDADE DO DIREITO

Lê-se hoje no Expresso, a propósito do processo de Fátima Felgueiras, que o seu advogado terá afirmado que a decisão judicial "é irrecorrível, porquanto a lei só permite o recurso da aplicação da prisão preventiva e não da sua revogação".

Há, de facto, quem assim interprete o artº 219º do Código de Processo Penal, que tem o seguinte texto:

"... da decisão que aplicar ou mantiver medidas [de coacção] há recurso, a julgar no prazo máximo de 30 dias a partir do momento em que os autos forem recebidos".

Mas o sentido desta norma é, tão-só, o de definir uma tramitação mais célere para os recursos das decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção - fixando o prazo máximo de 30 dias para o seu julgamento pelo Tribunal da Relação.

As decisões que revoguem ou substituam medidas de coacção são igualmente recorríveis, por força do disposto no princípio geral que consta do artº 399º do mesmo código:

"É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei".

É o caso!

NA POESIA

Na poesia procuro uma casa onde o eco
existe sem o grito que todavia o gera

Gastão Cruz
in Rua de Portugal - 2002

sexta-feira, setembro 23, 2005

É HOJE O FÓRUM NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A afirmação recorrente de que o Ministério Público tem excesso de poder é apenas uma forma eufemística de manifestar a incomodidade pelo exercício integral e cabal das funções que lhe estão confiadas, que se traduzem essencialmente em poderes de iniciativa que são objecto de um controlo multifacetado: político, judicial e pelos cidadãos. Só pode significar medo da afirmação da legalidade democrática e da afirmação prática do princípio constitucional segundo o qual “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.

COMPANHIA PARA A VIAGEM

Naná Vasconcelos

CHEGADA

Azulmusic 2005

A GRAMMATICA


“… a grammatica é um instrumento, e não uma lei.”
“Supponhamos que vejo deante de nós uma rapariga de modos masculinos. Um ente humano vulgar dirá d’ella, “Aquella rapariga parece um rapaz”. Um outro ente humano vulgar, já mais próximo da consciência de que fallar é dizer, dirá d’ella, “Aquella rapariga é um rapaz”. Outro ainda, egualmente consciente dos deveres da expressão, mas mais animado do affecto pela concisão, que é a luxúria do pensamento, dirá della, “Aquelle rapaz”. Eu direi “Aquella rapaz”, violando a mais elementar das regras da grammatica, que manda que haja concordancia de género, como de número, entre a voz substantiva e a adjectiva. E terei dito bem; terei fallado em absoluto, photographicamente, fora da chateza, da norma, e da quotidianidade. Não terei fallado; terei dicto.”


Bernardo Soares
Livro do Desassossego


Hoje, haveria decerto quem sugerisse que se escrevesse: “Aquel@ rapaz”. Mas, como é que se diz?

quinta-feira, setembro 22, 2005

AS PALAVRAS PERDEM ESPESSURA

O azul vai invadindo a escrita
como se uma anemia fosse

corroendo a tinta e a leitura
deixasse de ter hálito.

As palavras perdem espessura
já não nos alongam puídas

nem os olhos as reflectem
nem nos conduzem os gestos.
Como cerzi-las antes
que me esfiape com elas?

RELATOS DA 2ª BIENAL DE JURISPRUDÊNCIA DE DIREITO DA FAMÍLIA

Acaba de ser editado o livro com o relato das mesas temáticas da 2ª Bienal de Jurisprudência de Direito da Família, que se realizou em 21 e 22 de Outubro de 2004 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Os temas aí tratados são:
Efeitos Patrominiais do Casamento
Investigação de Paternidade
Adopção
União de Facto
Poder Paternal
Promoção e Protecção dos Direitos das Crianças em Perigo e Processo Tutelar Educativo
Divórcio
Alimentos


Nº8 da Colecção do Centro de Direito da Família da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Ed. Coimbra Editora

NESTA PARADOXAL ESQUIZOFRENIA DE SER CIDADÃO E MAGISTRADO, O DEVER DE RESERVA FAZ-ME AZIA!

quarta-feira, setembro 21, 2005

O ARRUMAR DOS PAPÉIS (6)

Recorte do Diário de Notícias de 29 de Março de 1999:

"Pensar que os problemas da justiça se resolvem reforçando uma autoridade do Governo sobre as magistraturas ou sobre os processos de investigação seria pôr gravemente em risco o adquirido democrático do nosso sistema".

António Guterres

É ESSENCIAL!

É essencial que, na relação do sistema de justiça com os cidadãos, se opere a substituição de uma relação autoritária com cidadãos desconfiados por uma relação democrática com cidadãos esclarecidos.

terça-feira, setembro 20, 2005

ADOPÇÃO: UMA VISÃO MUITÍSSIMO PARCELAR

Estou a exercer as funções de Procurador da República no 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra há 1 ano.
Neste período de tempo (20 de Setembro de 2004 a 20 de Setembro de 2005), foram realizados 10 debates judiciais em processos de promoção e protecção em que veio a ser tomada a decisão de aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
Estes 10 processos abrangeram a situação de 12 crianças.
As decisões transitaram em julgado quanto a 10 destes processos, estando nos outros dois (respeitantes a 3 crianças) a decorrer o respectivo prazo. Não houve, até ao momento, recurso de nenhuma das decisões.
Os pais (ou apenas o pai ou a mãe) de 8 destas crianças fizeram-se representar por advogado no debate.
Na data da decisão, a mais nova tinha 4 meses de idade e a mais velha 9 anos; sendo que não existia nenhuma criança situada na faixa de idades entre os 6 e os 8 anos.Todas se encontravam em acolhimento institucional; e apenas à que tinha 9 anos havia sido anteriormente aplicada uma outra medida (no caso, uma medida não institucional, de apoio junto de familiares).
O tempo de institucionalização até à decisão variou de 3 meses a 2 anos e 8 meses, sendo que apenas excedeu um ano em 3 dos casos (19 meses, 2 anos e 6 meses e 2 anos e 8 meses, respectivamente).
Destas 12 crianças, 7 já se encontram confiadas a casal candidato à adopção
Quanto às restantes 5: relativamente à que tinha 9 anos, do sexo masculino, não foi possível encontrar ainda candidato(s) à sua adopção (decisão de Abril de 2005); sendo a decisão quanto às outras de Maio (1) e de Setembro (3).
Em nenhum dos casos foi ainda proposta acção de adopção, estando a decorrer o período de pré-adopção.

Uma visão muitíssimo parcelar, mas que pode ser um pretexto para algum debate sobre o tema.
Assim o queiram os (poucos, mas bons!) leitores deste blog!

(de) SILVES 83

O rio secou.
Subi lentamente à nascente
que falece.

Descesse, e era
o mar.

Luiza Neto Jorge
in A Lume - 1989

A PRESIDENTA

Hoje de manhã fartei-me (é o termo!) de ouvir falar de senhora Presidenta da Junta de Freguesia para aqui, de senhora Presidenta da Junta de Freguesia para ali!
Não quero, porque não sei, entrar naquele debate sobre a existência ou inexistência do feminino na designação de certos cargos, que, a propósito de altos dignitários do Estado, excitou ainda há pouco tempo a comunidade linguística francesa.
Soa-me mal, apenas. Acho que se fosse mulher não gostava de ser chamada de Presidenta. Parece a gozar!?

segunda-feira, setembro 19, 2005

CARTOGRAFIAS

Na cartografia dos gestos
destinei-te os estuários.

AGENDA DA SEMANA

Dia 19

Lançamento editorial do livro com os textos das intervenções e conclusões do II Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura, realizado em 03 e 04 de Dezembro de 2004, em Faro.
Os temas tratados são:
Balanço da Reforma da Acção Executiva
Segredo de Justiça e Dever de Reserva
Edição da Coimbra Editora


Dia 21

Debate sobre a Justiça Portuguesa, em Coimbra, organizado pela República do Direito - http://www.republicadireito.com
No dia 21 de Setembro debateremos a "Justiça Portuguesa" com Alexandre Baptista Coelho, António Cluny e Rogério Alves.


Dia 23

Fórum Nacional do Ministério Público
No Fórum Lisboa, com início às 14h30m.
O programa e O Manifesto da Direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público podem ser lidos em http://www.smmp.pt

TUDO SERVE!

A esta hora está a realizar-se, na Segurança Social em Coimbra, o "acto de entrega de subsídios às famílias afectadas pelos incêndios florestais", com a presença do governador civil.
Tudo serve para o espectáculo e para a propaganda!

domingo, setembro 18, 2005

ESCRITA INKZ. ANTI-MANIFESTO PARA UMA ARTE INCAPAZ

Passava já mais de uma hora que eu vasculhava a Livraria Travessa, em Ipanema, quando, na secção de poesia deparei com um nome conhecido – Boaventura de Sousa Santos – e um livro desconhecido – escrita INKZ. anti-manifesto para uma arte incapaz.

Li nas badanas o texto de Gilberto Gil: o autor era mesmo quem eu pensava ser. O que me foi confirmado numa das últimas páginas do livro:
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
é um conhecido cientista social e um poeta desconhecido.
Vive em parte incerta no fato do mundo.
Gosta mais de andar nos bolsos de dentro do que na lapela.
Dão-se alvíssaras a quem o encontrar feliz ou infeliz.

O autor que, no DESFÁCIO, começa por afirmar: “A minha geração não produziu nada de novo no domínio das artes. Isto não seria um grande problema se ela tivesse sabido usar produtivamente a sua esterilidade. Mas não foi o caso” - esclarece depois que:
A Escrita INKZ não é poesia nem é prosa, não é pintura nem escultura, nem arquitectura. É uma arte incapaz. Não se sustenta nem se completa por si própria. Abre espaços para as manifestações artísticas dos outros, sejam eles artistas legais ou indocumentados, formais ou informais, oficiais ou não-oficiais.

Pela voz de King, um cão, “rafeiro de raça”, que o autor conheceu em Saint Valery, o livro tem seis partes: figura, cidade, andamento, momento, mulher nua, orador-ninguém – correspondentes, segundo ele, às “seis mónadas” que constituem “a subjectividade do novo milénio”.

No Andamento, diz King:

Pergunto-me que restos me vão dar neste restaurante
À beira mar ilegalmente
Plantado:

Emoções fugazes à grande cidade
Inferno à casa
Traição à nacional
Broches en su tinta
Suspiros vaginais em molho espesso
Tradições atlânticas na grelha
Seios mamados ao natural
Branqueamentos variados à bela moleira
Realidades marinadas no espeto


Não há razão para não personalizar os restos
Ninguém entra num restaurante
E pede comida em geral


Li no chão
Que a eternidade vigia o tempo
Deve ser por isso
Que os humanos
Comem a horas certas


Aeroplano Editora, Rio de Janeiro, 2004.

“As normas e grafias de Portugal foram mantidas a pedido do autor”.

Aqui fica o registo desta minha descoberta.

ALCEU

Diz o que queres: ouvirás
talvez o que não queiras.

Alceu
séc. VII a.c.

sábado, setembro 17, 2005

A FALTA DE ESPAÇO PÚBLICO

"Não há espaço público porque este está nas mãos de umas quantas pessoas cujo discurso não faz mais do que alimentar a inércia e o fechamento sobre si próprios da estrutura das relações de força que elas representam. Os lugares, tempos, dispositivos mediáticos e pessoas formam um pequeno sistema estático que trabalha afanosamente para a sua manutenção".

José Gil
Portugal Hoje. O Medo de Existir

A AVALIAÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS

O Ministro da Justiça falou da “avaliação internacional” do CEJ, na abertura das actividades de um novo curso. Não sei a que se quer referir, por isso prefiro não comentar porque pode ser bom ou pode ser mão.
O que eu sei é que nunca foi feita qualquer avaliação da actividade formativa do Centro de Estudos Judiciários. Por duas razões: a instituição nunca teve muita vontade de se autoavaliar; e quem foi pretendendo introduzir alterações no sistema de formação sempre se preocupou apenas em procurar impor a sua ideia sem querer saber como estavam as coisas a funcionar.
O relatório sobre Recrutamento e Formação de Magistrados elaborado pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, em Março de 2001, confessa que “no tempo que dispúnhamos para realizar o trabalho de campo e produzir o relatório (pouco mais de dois meses) sabíamos que era de todo impossível fazer qualquer avaliação eficaz do sistema de recrutamento e formação vigente em Portugal”.
O Regulamento Interno do CEJ, posterior à Lei 16/98, ainda hoje estabelece, no artº 56º, que “junto do gabinete de estudos jurídico-sociais... funcionará um grupo de análise e de avaliação da actividade formativa do Centro, integrado, designadamente, por docentes e personalidades convidadas pelo director do Centro, com conhecimentos científicos e experiência no domínio da formação de magistrados”. Nunca foi constituído: de início, com o argumento de que era preciso deixar passar algum tempo de aplicação da nova lei; depois, quando acabou por ser aprovada a sua constituição, com uma forte componente externa, porque não foi dado nenhum passo para a execução da deliberação.
O Plano de Actividades para o ano 2005/2006 promete a “criação, desenvolvimento e aplicação, tanto quanto possível numa perspectiva diacrónica, de instrumentos de monitorização do percurso de formação dos auditores de justiça, como instrumentos privilegiados de apoio à direcção, em matéria de planeamento e desenvolvimento da actividade formativa, e divulgação comentada dos resultados obtidos”. Vamos ver o que isto é!
A verdade é que os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público conhecem muito mal como se desenvolve a actividade do CEJ e este não tem qualquer feed-back do impacto do seu trabalho sobre o sistema de justiça. E esta situação é, de há muito tempo, insustentável.
Para além de importar saber, também, qual o papel que o CEJ tem desempenhado, como porta e percurso únicos de entrada para a magistratura, na socialização profissional dos juízes e procuradores.

sexta-feira, setembro 16, 2005

(Excerto de) NO ALTO DO AGUILHÃO

Pergunta a um eucalipto
a idade. Ele dir-te-á:
Abraça-me.

Jorge de Sousa Braga
in Os Pés Luminosos
Centelhe - 1987

FALEMOS AGORA DE COISAS SÉRIAS!

A moção aprovada na referida reunião de advogados pode ser lida em www.oa.pt.
Sendo uma das preocupações ali manifestadas o problema do custo da justiça, cito um extracto da moção a propósito de tal tema:

“ ...a visão economicista da Justiça, cuja máxima é: “queres exercer os teus direitos, paga para isso”, tornou incomportável para a maioria dos cidadãos e das pequenas e médias empresas o recurso aos tribunais e o correspondente acesso ao direito e à justiça.
A título de mero exemplo podemos referir a seguinte situação: um casal com um rendimento médio mensal de € 3.000,00 pretende propor uma acção declarativa por incumprimento de um contrato de empreitada relativamente a uma vivenda em construção cujo valor é de € 175.000,00. Paga de taxa inicial € 867,75, de taxa subsequente o mesmo montante, no total de € 1.735,50, ou seja mais de metade do seu rendimento mensal. Acresce que, se for necessário notificar 5 testemunhas terá de pagar a quantia de € 89,00. Uma mera fotocópia extraída do mesmo processo custa € 1,78. A intervenção de cada perito € 356,00. O julgamento com Tribunal Colectivo implica o pagamento mínimo de € 150,00. Uma inquirição por teleconferência € 17,80.Findo o processo com ganho de causa, o montante gasto não é restituído. Não sendo pago voluntariamente pela parte vencida e não tendo esta quaisquer bens ou rendimentos penhoráveis, a parte vencedora não será ressarcida das custas que pagou para fazer valer o seu direito ou, desconhecendo a existência de bens ou rendimentos penhoráveis pertencentes à parte vencida, terá a parte vencedora que propor acção executiva contra aquela para eventualmente obter o reembolso das despesas suportadas. Este processo irá implicar mais despesas, correndo a parte o sério risco de não obter qualquer reembolso, vendo assim aumentados os seus gastos, com o fim de obter um direito constitucionalmente consagrado, que é o acesso à Justiça".

ABAIXO A PROMISCUIDADE!

O Público de hoje, ao noticiar a reunião de advogados do Distrito Judicial de Coimbra ontem realizada, cita um dos intervenientes que falou da “escandalosa promiscuidade entre juízes e magistrados do Ministério Público”.
Eu sugiro mesmo que o casamento entre juízes e procuradores se inclua no elenco dos impedimentos dirimentes relativos do casamento, assim como nos impedimentos da produção de efeitos jurídicos da união de facto, se não mesmo que sejam proibidos de serem “ficantes”.
Claro que uma afirmação daquelas, para mais para quem conhece suficientemente o meio, só pode ser levada à conta de brincadeira.

UMA NOMEAÇÃO QUE MERECE APLAUSO!

O Dr. Armando Leandro foi nomeado Presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco.
Uma nomeação que merece aplauso!
Espera-se, fundamentadamente, pela longa e excelente acção que o nomeado tem desenvolvido nesta área, um novo impulso na actividade das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, com maior apoio da Comissão Nacional, com mais e melhores meios técnicos, com mais formação e qualidade das respostas, com uma forte cultura de inserção comunitária.

DIAMANDA GALÁS

Dia 18 de Setembro, às 22h, na Casa da Música, DIAMANDA GALÁS,. a quem já chamaram a "reencarnação negra de Maria Callas", apresenta o álbum "La Serpenta Canta", composto por standards de canções blues, soul, R&B e country, em que apenas o piano acompanha a "sua voz sumptuosa, negra e audaz".

Lá estaremos!

Justificação: é domingo e o nº1 do artº 86º do Estatuto do Ministério Público permite que "os magistrados do Ministério Público [possam] ausentar-se da circunscrição quando em exercício de funções, no gozo de férias, nas férias judiciais, sábados, domingos e feriados".

quinta-feira, setembro 15, 2005

EM TERRA DE CEGOS

Em terra de cegos quem tem um olho é rei;
quem tem os dois é frequentemente abatido.

João Damasceno
in CORPO CRU
Fenda - 1983

A CREDIBILIZAÇÃO DA 1ª INSTÂNCIA

No Público de ontem, Maria de Fátima Mata-Mouros, em resposta a uma questão que lhe foi colocada sobre a prisão preventiva, em que se referiu à situação em Portugal quanto à sua caracterização após condenação em 1ª instância e à contagem dos prazos, afirmou a certa altura:
“A nossa relativa originalidade, longe de encontrar explicação na salvaguarda dos direitos fundamentais das pessoas, denota uma doentia desconfiança nos tribunais. E se o problema é esse, então importa investir na sua solução e criar as condições necessárias para que seja reconquistada a confiança na justiça indispensável ao funcionamento da própria democracia”.
A questão da credibilização da 1ª instância é, a meu ver, um aspecto essencial da reconquista da confiança na justiça. Hoje, a 1ª instância é, com excessiva frequência, e particularmente em matéria criminal, uma etapa que tem de ser percorrida para que a causa seja discutida e decidida no Tribunal da Relação e/ou no Supremo Tribunal de Justiça (já para não falar do abuso no recurso ao Tribunal Constitucional), sendo que os Tribunais da Relação começam já também a ser, com demasiada frequência, um ponto de passagem do processo com destino ao STJ. Realidade esta que é visível também na dimensão que vão adquirindo os tribunais de recurso.
Como inverter esta situação?

UMA OPINIÃO


1. A actividade normal dos tribunais reinicia-se num ambiente de grande crispação entre o executivo, de um lado, e os magistrados, os advogados e os funcionários judiciais, do outro;
2. Esta crispação tem sido provocada por uma campanha populista contra a administração pública em geral e em particular contra os que exercem funções nos tribunais, que atinge a sua dignidade profissional e aspectos importantes do seu estatuto sócio-profissional, sem que lhes seja garantido o direito ao diálogo;
3. A atitude que o executivo tem tido para com os profissionais da justiça (por vezes mais o modo de apresentação e imposição das medidas do que o seu conteúdo final, a quem é atribuída, face à opinião pública), a parte de leão da responsabilidade pelo mau funcionamento do sistema, tem contribuído, objectivamente, para a erosão do capital de confiança que os cidadãos ainda depositam nos Tribunais (relativamente aos quais distinguem o prestígio “funcional-institucional” dos problemas de funcionamento, como tem sido constatado em estudos sociológicos recentes realizados em Portugal);
4.Sendo este capital de confiança geralmente apontado como um elemento essencial que confere ao sistema de justiça o espaço necessário à definição e execução de um processo reflectido de superação das disfuncionalidades e dos erros, e de introdução das alterações que se imponham – desbaratá-lo sem que, apesar da cortina de fumo populista, existam sinais de medidas que contribuam de forma séria para superar os factores que geram insatisfação (como sejam os problemas do acesso à justiça, a lentidão, a complexidade e a dificuldade no tratamento das novas realidades), significa enfraquecer de forma não responsável um dos pilares do estado de direito democrático;
5. É um facto consensual que os tribunais são uma estrutura organizativa anquilosada, que a sua chamada modernização tem consistido na introdução de tecnologia que faz a mesma (e às vezes reproduz) burocracia com um aspecto melhor; em que não faz sentido falar genericamente de trabalhar quantitativamente mais, mas de trabalhar melhor; que só não é mais lenta e mais ineficaz pelo empenho, responsabilidade e dedicação profissional da grande maioria dos que lá exercem funções;
6. No que respeita especificamente aos magistrados, sejam juízes ou procuradores, a degradação das suas condições sócio-profissionais e o aprofundamento do seu estatuto de funcionários andam em regra, na história, associados ao perfil de uma magistratura que se pretende submissa e sem opinião e que pratique o culto acrítico da lei;
7. Os magistrados são funcionários do Estado e, simultaneamente, titulares do órgão de soberania Tribunais, pelo que têm todo o direito, e devem, lutar por um estatuto sócio-profissional que, salvaguardado o princípio da solidariedade nacional, corresponda à dignidade das funções que desempenham e que contribua para a eficácia de tal desempenho;
8. Mas porque são os titulares do órgão de soberania Tribunais, têm ainda a responsabilidade de tomar a iniciativa de fazer o diagnóstico dos males de que padece o sistema de justiça e de propor as terapêuticas adequadas para a sua erradicação, colocando o restante poder político perante a responsabilidade de, no que deste dependa, garantir as condições para o seu adequado funcionamento; e, ao mesmo tempo, agirem com rigor e autocrítica no que respeita ao cabal cumprimento das suas funções próprias;
9. As medidas e propostas do executivo não podem induzir respostas que sublinhem o estatuto de funcionário dos magistrados, ou que não tenham em conta o sentido e os seus efeitos sobre a opinião pública. Por isso, as medidas tomadas em Assembleias Gerais das associações sindicais dos magistrados, que se realizaram em Junho, mereceram-me, já então, sérias reservas porque incidindo os seus efeitos sobre os cidadãos que recorrem aos tribunais não foi a estes prestado qualquer esclarecimento que os levasse a compreendê-las, o que poderá, portanto, ter potenciado a sua permeabilidade ao discurso do poder executivo;
10. Quando hoje se fala de greve, apontada como a forma de luta mais radical, estamos como estávamos em Junho no que respeita ao esclarecimento dos cidadãos sobre as nossas razões e sobre as nossas propostas para a melhoria do sistema de justiça, pelo que entendo que se deve reflectir sobre a previsão dos seus resultados antes de tornar a sua convocação definitiva, sobre o depois;
11. Continuo a considerar essencial a realização de uma consistente acção de informação pública, de resto na linha da moção aprovada na AG do SMMP, quando aí se fala em:
“- exigir, porque a preocupação dos magistrados do MP é o cumprimento pelo sistema de justiça das suas funções constitucionais, que sejam tomadas as medidas necessárias a um melhor e mais eficaz funcionamento do sistema de justiça, ao nível da organização judiciária, da formação, da gestão de quadros e da modernização, que dependem exclusivamente do poder legislativo e executivo e sobre as quais não se conhece qualquer iniciativa” ;
12. Claro que se for decidido, tudo ponderado, convocar uma greve, não hesitarei sobre o campo a escolher.

quarta-feira, setembro 14, 2005

lhe conhecer o gosto

Deixem o sol entrar
reflectir-se nos nossos corpos
como numa lente e atear
a fogueira
que incendiará mitos e padrões.


Vamos plantar o inesperado
nas paredes e neste espaço
vê-los rebentar em flores com ventres
cheios e a saber a frutos
e prová-los
como se prova cada pedaço da vida sem antes
lhe conhecer o gosto.


1986

Cadernos de Literatura
Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra

AMANHÃ É SETEMBRO 15

Direito dAS FAMÍLIAS

Se pretender ter uma ideia sobre o modo como uma forte corrente da jurisprudência brasileira vai tratando dos novos problemas do direito das famílias, num país em que a realidade social está claramente à frente (objectivamente, independentemente dos desejos de cada um sobre o que deveria ser a realidade) do direito e em que a jurisprudência tem tido um importante papel de adequar a lei à vida, visite o site da Desembargadora do Estado do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias (http://www.mariaberenice.com.br).

PRELO

Está no prelo, com edição prevista para o mês de Outubro, o MANUAL DE PSICOLOGIA FORENSE coordenado pelos Prof.s Doutores Rui Abrunhosa Gonçalves e Carla Machado, do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, que é mais um produto da investigação levada a cabo nesta instituição universitária e da experiência da Unidade de Consulta em Psicologia da Justiça e Reinserção Social, que ali desenvolve a sua actividade desde 1998; contando, ainda, com contributos de outras proveniências, nacionais e estrangeiras.
Vai ser uma ferramenta de grande utilidade para os psicólogos que desenvolvem a sua actividade em contexto forense, mas também uma importante fonte de informação para os juristas.
Edições Quarteto (Coimbra)

21 de Setembro - DEBATE EM COIMBRA organizado pela República do Direito

CONVITE

O Sindicato dos Oficiais de Justiça convocou uma greve geral para osdias 29 e 30 de Setembro e 3 e 4 de Outubro.

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses convocou, de igual modo, uma greve nacional, em data a designar.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público parece admitir amarcação de uma greve para breve.

Os Advogados têm vindo, igualmente, a protestar.

Todos o fazem contra a política do Governo para a Justiça.

Neste contexto, parece pertinente perguntar:

Crise conjuntural ou ruptura do sistema de justiça?

Que caminhos?

Para debater connosco estas questões convidámos:
- Desembargador Dr. Alexandre Baptista Coelho - Presidente da ASJP;
- Procurador - Geral Adjunto Dr. António Cluny - Presidente do SMMP;
- Dr. Rogério Alves - Bastonário da Ordem dos Advogados.

21 de Setembro às 21h15 Casa Municipal da Cultura

É imprescindível a sua presença e a dos seus convidados!

Saudações republicanas

A Direcção da REPÚBLICA DO DIREITO

terça-feira, setembro 13, 2005

INTELIGENCIA SIN ABRIGO

Os olhos de Guevara, numa fotografia, tirada após a batalha de Santa Clara, muito conhecida, arrepiam-me a inteligência; um poema de Álvaro de Campos, "Poema em linha recta", também. E há outras coisas que a vão mantendo arrepiada, como se ela fosse uma pele. Longe de mim agasalhá-la.

Sebastião Alba
in Albas
quasi 2003

PATERNIDADE BIOLÓGICA E PATERNIDADE SÓCIO-AFECTIVA

Numa das mesas da II Bienal de Jurisprudência Luso-Brasileira, cujo tema era Investigação de Paternidade e Negatória de Paternidade, debateu-se a questão da prevalência da paternidade biológica ou da paternidade sócio-afectiva.
No Brasil, existe uma forte corrente jurisprudencial que privilegia a paternidade sócio-afectiva em detrimento da paternidade biológica, defendendo que “pai é quem cuida, quem dá afecto”.
Foi apresentada e debatida uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em síntese e em linguagem simples, se pode descrever da seguinte forma:
- um menor tinha um pai que constava do registo civil, que vivia com a mãe, e que com ele tinha uma óptima relação afectiva, mas pai e mãe sabiam que o pai biológico era outro;
- morreu o pai biológico, que era rico, enquanto que o pai que constava do registo era um “duro”;
- este manifestou, na família, a posição de que era um “duro”, que o pai biológico tinha deixado uma boa herança, e por isso não levava a mal que pusessem em causa o que constava do registo civil, pois a sua atitude seria a de continuar a tratar o menor como filho, como o tinha feito até então;
- foi proposta acção judicial com vista ao estabelecimento da paternidade biológica e o tribunal, embora tivesse sido feita prova desta, indeferiu a pretensão por ter entendido que deveria prevalecer a paternidade sócio-afectiva.
Em Portugal, onde impera na legislação uma perspectiva biologista, dificilmente a decisão teria sido no mesmo sentido.
Mas, citando de um texto (cuja releitura nos traz sempre coisas novas) que, com o sugestivo título “Queremos amar-nos ... mas não sabemos como!”, Guilherme de Oliveira publicou no nº 3911/3912 da Revista de Legislação e Jurisprudência, de Junho/Julho de 2000, a verdade é que, também entre nós “de facto, está cada vez mais presente a discussão acerca da preferência absoluta pela verdade biológica, ou sobre a determinação dos casos em que a verdade sociológica ou afectiva deve ser o critério da paternidade; e não se prevê que esta incerteza chegue a um termo, numa época em que se pretende tudo à medida do indivíduo, em que se escolhe sempre e nada é predeterminado. O aumento do número dos divórcios e dos segundos casamentos multiplicou as situações de concorrência entre a paternidade biológica e a paternidade afectiva; o crescimento da filiação adoptiva tem produzido o mesmo efeito; e a procriação assistida com dador e as maternidades de substituição também já têm a sua quota nesta matéria. Estas situações de concorrência, note-se, têm dado primazia às paternidades afectivas em detrimento das paternidades biológicas – assim, pelo menos, no que toca à ruptura dos laços de parentesco com a família de origem no caso de adopção, e também no caso de inseminação com dador anónimo”.
Venho defendendo que o Ministério Público, quando, no exercício das suas funções, obtém elementos que lhe permitem concluir que o pai que consta do registo de nascimento de um menor não é o pai biológico, não deve tomar a iniciativa de instaurar acção de impugnação de paternidade se, com isso, a única coisa que vai conseguir é “roubar” ao menor um pai, que assumiu integralmente esta função. Ou seja, nestes casos, que acontecem com alguma frequência, a questão da paternidade sócio-efectiva tem de ser ponderada como uma vertente do interesse da criança, postergando-se o interesse do Estado na reposição da verdade registal (que, muitas das vezes, conduziria a uma omissão da menção da paternidade).

A DIFUSÃO TELEVISIVA DA JUSTIÇA

Li numa revista francesa - JUSTICE - a recensão de um livro com o título "A Difusão Televisiva da Justiça. Elementos de direito comparado. Apreciações e problemáticas", de Georges Plagianakos - que me suscitou bastante interesse.
Indicava, como elemento de localização do livro, uma biblioteca jurídica com o seguinte endereço: http://www.nb.org
Experimentem!?

COMUNICADO DA DIRECÇÃO DO SMMP AOS SÓCIOS

A Direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público divulgou durante o dia de hoje um comunicado aos sócios, que dá conta da reunião realizada ontem, do qual se publicam os seguintes extractos:

Foi analisada “a conjuntura criada com a convocação unilateral de greves pela ASJP e SFJ e pela declaração entretanto feita pelo Governo de que continuava disposto a negociar (embora não quisesse transigir sobre aspectos básicos da proposta relativa aos serviços médico-sociais)”

“[E]ntendeu-se não dar ao Governo a oportunidade de vir a responsabilizar publicamente o SMMP pela ruptura de uma negociação que, inicialmente, chegou a parecer, desta vez, assumir-se como séria e auspiciosa”.

“[T]endo embora deliberado o que fazer no caso – mais previsível – de nenhuma das nossas propostas vir a ser aceite, entendeu a Direcção reservar a divulgação pública das medidas que vão ser tomadas, até ao dia 23 de Setembro, período que se considera suficiente para o Governo poder responder e para o SMMP poder concertar algumas dessas formas de luta com as outras organizações sindicais do sector, tanto mais que está agendada para dia 22 de Setembro uma reunião entre todos os sindicatos do sector”.

segunda-feira, setembro 12, 2005

E DE POEMA QUE VAI MUITO BEM COM AQUELA

PLATÃO

Cada um de nós guarda, algures,
o retrato de alguém que já não tem
rosto nem voz, e não o empresta
a ninguém, nem que nos peçam, como
se nada fosse, essa imagem sem passado.

Então, dizem, para que serve guardar,
numa gaveta fechada, a própria vida?
Que excessivo pudor obriga a apagar
o próprio nome que, uma vez, foi
sinónimo de uma perdida felicidade?

Ainda que não se lhe responda,
a pergunta mantém-se, por algum tempo,
no espírito que ela atormenta; e talvez
os olhos deixem a inquietação
transparecer – numa hesitação de brilho.

A nostalgia não tem uma figura
precisa; o corpo que lhe deu forma,
outrora, não pode restituir o sentimento
que só se teve por ter sido efémero;
e nenhum diálogo traduz a sua existência.

No entanto, ouço, é no intervalo em que
a memória separa quem fomos do presente
que nos atrai, sem que nada se oponha à
sua vertigem, que as mãos abstractas dessa
que o silêncio envolve nos puxam para si
- arrancando-nos à estagnação do ser,
à melancolia de uma visão de espelho,
ao peso dos seus baixos que oprimem a alma, e
entreabrindo apenas a possibilidade do regresso.

NUNO JÚDICE

in Um Canto na Espessura do Tempo (1992)

SUGESTÃO DE MÚSICA PARA ANTES DO PRÓS E CONTRAS

FAT FREDDYS DROP
Based on a true story
2005

Relaxa e dá o balanço suficiente para entrar no debate.

ESQUECERAM-SE?

Na precipitação de alterar o período das férias judiciais, o Governo não fez, sequer, todo o trabalho de casa: esqueceu-se, também, da Lei do CEJ. Ou será que aí o início das férias se mantém a 15 de Julho?
Quem sabe se para manter a soberba , para prova de que não houve esquecimento nenhum, a coisa não fica mesmo assim!

domingo, setembro 11, 2005

O ROSTO DO ASTRO VAGABUNDO

De pequenos hábitos nosso quotidiano
é feito
tecido
ponto
a
ponto
De repente uma estrela imprevista
rasga a renda
Ou será
Um cometa?


Há que escolher entre ficar
a remendar as malhas
rotas
ou seguir o rasto
do astro
vagabundo

Teresa Rita Lopes
in Afectos (2000)

OPINIÃO ANÓNIMA!

Já tudo, ou quase tudo, se disse sobre os 200 à hora do carro do Presidente do Tribunal Constitucional. Mas o Expresso desta semana introduz uma nova nota curiosa: a opinião dos “penalistas e criminalistas da Universidade de Coimbra” que aceitaram “pronunciar-se sobre uma situação semelhante, em abstracto”, mas preferiram manter o anonimato”!

CONHECIMENTO CIENTÍFICO E PROVA JUDICIAL

Nos dias de hoje, em que o diálogo de saberes é cada vez mais essencial à escolha das opções de regulação social, à feitura e interpretação das leis, à definição das políticas de prevenção, à construção das decisões judiciais (que com frequência assentam numa análise multidisciplinar da realidade e das relações humanas, sociais, económicas e políticas) e à sua execução; e em que a ciência se estende progressivamente a novos campos anteriormente entregues ao “conhecimento comum” - o tema da relação entre o conhecimento científico e a prova judicial adquire grande importância, assim como a necessidade de os magistrados possuírem a suficiente formação multidisciplinar, não para se substituírem aos profissionais dos outros ramos do saber, mas sim para serem capazes de recolher correctamente a informação que por estes pode ser prestada, de solicitar com utilidade os pareceres aos técnicos, de interpretar e analisar criticamente os elementos recebidos e de os utilizar adequadamente.
Vem isto a propósito de um artigo de Michele Taruffo (Catedrático de Direito Processual da Universidade de Pavia), com o título “Conocimiento científico y estándares de prueba judicial”, que pode ser lido no nº52 da revista Jueces para la Democracia, de Março de 2005, de que aqui quero deixar nota.
Começa por afirmar que se, na verdade, os juízes sempre “utilizaram noções científicas para estabelecer ou interpretar circunstâncias de facto para as quais pareciam inadequadas as noções de experiência ou senso comum”, “o alargamento da ciência [com uma enorme aceleração no séc. XX) a campos do saber que no passado eram deixados ao senso comum provocou uma importante alteração nas fronteiras que separam a ciência da cultura média não científica: sucede cada vez com maior frequência, de facto, que circunstâncias relevantes para as decisões judiciais podem ser averiguadas e valoradas com instrumentos científicos, reduzindo-se proporcionalmente a área em que o juízo sobre os factos pode ser formulado somente sobre bases de conhecimento não científicas”.
Chama a atenção para o facto de “muitos juízes estarem todavia ligados à concepção tradicional segundo a qual somente quando está em causa uma ciência “dura” [química, biologia, matemática, etc.] se torna indispensável a ajuda de um perito, enquanto que as ciências sociais pertencem à cultura média e, portanto, entrariam na normal bagagem de conhecimentos do juiz”. E adverte que “esta concepção é infundada, e torna-se menos aceitável à medida que novas áreas do saber adquirem o estatuto de ciências; com efeito, a cultura média dos juízes não evolui com a mesma rapidez e na mesma direcção do conhecimento científico, o que explica a manutenção – na cultura jurídica – da concepção tradicional e restrita de ciência”.
Mas alerta para que “os juízes não podem limitar-se a receber passivamente qualquer coisa que se apresente como “científica”, devendo assumir a responsabilidade de verificar a validade e a atendibilidade das informações que pretendem ter dignidade científica e que se destinam a constituir a base da decisão sobre os factos”.
Considerando que “as provas científicas são muito úteis, mas raramente resultam decisivas e suficientes para determinar a decisão sobre os factos”, Michele Taruffo aborda o tema da sua valoração - que, mesmo quando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, implica uma “discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação racional” -, nomeadamente a questão da probabilidade prevalecente e da prova para além de qualquer dúvida razoável.

sábado, setembro 10, 2005

UM CAIS IMPROVÁVEL


Escrevo palavras que já roucas
mal se ouvem para além do traço.


Caminho na orladura de despojos atirados
pela preia-mar com os pés já secos.


Tacteio o contínuo das horas
sem encontrar a emenda dos dias.


Vasculho os lugares à procura
de um cheiro vulgar de um sabor indeciso.



Acabo sentado
num cais improvável.

QUEM SÃO OS MAGISTRADOS PORTUGUESES? (3)

Num enfoque distinto, mas igualmente importante para o enquadramento e definição dos itens a tomar em consideração num estudo sobre a actualidade da magistratura portuguesa, temos a tese de mestrado de Luís Eloy Azevedo, publicada em 2001 com o título Magistratura Portuguesa – Retrato de um mentalidade colectiva (Edições Cosmos), que, como confessa o autor, “nasce do “atrevimento” de tentar penetrar numa área inexplorada (história da magistratura portuguesa) mas de cuja compreensão depende (...) o tão falado redimensionamento ou “refundação” da nossa justiça”.
Com especial enfoque no Supremo Tribunal de Justiça, embora nele não se esgotem o seu conteúdo e ilações, este trabalho de investigação, constatando que “o país desconhece o seu STJ, [d]esconhece a sua história, quem são, como são e qual o perfil mental dos magistrados que ao longo de mais de um século e meio o têm corporizado”, tendo como vectores de análise o "culto da lei", a "reserva privada" e o "respeito pelos predecessores", parte de duas “interrogações motivadoras básicas”:
- “Quais os condicionalismos implícitos da arte de julgar da nossa Magistratura Suprema?
- De que forma as obrigações e proibições exteriores da nossa Magistratura Suprema criaram uma mentalidade específica, com reflexos na actividade prática da magistratura portuguesa?”
Duas linhas são “desenhadas” no decurso da história da “Magistratura Suprema”: uma de magistrados “políticos” (tendencialmente correspondente ao séc. XIX e inícios do séc. XX), com uma relação mais dessacralizada com a função, relações profissionais e privadas mais alargadas, gostos mais ecléticos e menos tradicionais, comportamentos menos austeros e mais profanos, mais acessíveis e que não escolheram, em princípio, a magistratura por vocação; outra de magistrados “técnicos” (preponderantes a partir do Estado Novo), mais “agarrados” à função, que apreciam a gravidade sacerdotal e cultivam o anonimato, tendem a separar o direito e os factos e não “confundem” justiça e política.
Este segundo período corresponde à criação de “um juiz com cultura jurídica mas sem cultura política, com uma cultura de dossier mas sem uma cultura de pessoas”, num modelo de “juiz-funcionário” (que é ainda hoje o nosso) que tem como um dos elementos caracterizadores “o facto de o grupo de referência para o qual o juiz tende a orientar o seu comportamento, de forma consciente ou inconsciente, estar no interior da próxima organização judiciária”, através do que se “efectua grande parte da “socialização do juiz”. Neste contexto, “não são bem vistos pelo corpo elementos de ruptura, desligados do passado ou da antiguidade, que quebrem a harmonia e a resistência à mudança, tradicionais na magistratura”.
A “neutralização opinativa da Magistratura” e o “culto exacerbado da lei” são apontados como “dois vectores de uma mesma estratégia política de submissão absoluta do judicial ao executivo”. Num ambiente em que o poder executivo fomentava o “culto da mediania” e a “separação entre a magistratura e a vida social”, “a omissão das suas próprias ideias sobre o mundo exterior e os acontecimentos é vista como um sinal de imparcialidade e grandeza enquanto a originalidade de opiniões e atitudes é vista como um sinal de exoterismo potencialmente perigoso”.
Conclui este estudo que “o sacerdócio judicial, a capacidade média, a reserva privada, a resignação económica, o refúgio caseiro, o convívio seleccionado e o porte respeitável representaram, sem dúvida, o seu papel no bloqueamento da criatividade, da autenticidade e da audácia da magistratura portuguesa”.
Esta investigação, que se centrou no ante 25 de Abril de 1974, e que “te[ve] em vista que se come[çasse] a viver não sem a memória, nem contra a memória, mas com a memória”, é, por isso mesmo, um importante contributo para o processo de construção da resposta actual à pergunta que titula esta série de textos.

Veremos como noutros países se tem procurado responder à pergunta: quem são os magistrados?

CRU - Seu Jorge

Um disco de música aparentemente crua, em destaque no Brasil.
As faixas mais referenciadas têm sido Bola de Meia (“Não faz bola de meia com o meu coração”) e Eu Sou Favela (“”A Favela é um problema social”), mas eu acho delicioso São Gonça:

Pretinha
Faço tudo pelo nosso amor
..........................................
Mas tente compreender
Morando em S. Gonçalo você sabe como é
Hoje à tarde a ponte engarrafou
E eu fiquei à pé

Tentei ligar pra você
O orelhão da minha rua estava escangalhado
O meu cartão tava zerado.
Mas você crê, se quiser.

Fla Flu prod.

Nº 103 da RMP - Secção de ESTUDOS & REFLEXÕES

A secção de ESTUDOS & REFLEXÕES do nº103 da Revista do Ministério Público, que será distribuída durante a 1ª quinzena de Outubro próximo, terá o seguinte conteúdo:


As vítimas de crimes: contributo para um debate transdisciplinar
José Adriano Souto de Moura (Procurador-Geral da República)


A utilização de sistemas de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos. Reflexões sobre a Lei 1/2005, de 10 de Janeiro.
Amadeu Guerra (Procurador-Geral Adjunto. Vogal da Comissão Nacional de Protecção de Dados)


Oposição de maior de 16 anos à continuação do processo promovido nos termos do artigo 178º, nº4, do Código Penal

Maria João Antunes (Juiz do Tribunal Constitucional. Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra)


O consumidor e a tutela do consumo no âmbito do crédito ao consumo. Algumas questões.

Nuno Miguel Pereira Ribeiro Coelho (Juiz de Direito)


Mandado de detenção europeu: julgamento na ausência e garantia de um novo julgamento.
António Luís dos Santos Alves (Procurador da República. Adjunto do Membro Nacional de Portugal na Eurojust)


O processo de insolvência: pressupostos processuais, tramitação, medidas cautelares e impugnação da sentença.

Isabel Alexandre (Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa. Assessora do Gabinete dos Juízes do Tribunal Constitucional)

sexta-feira, setembro 09, 2005

SONATA AO LUAR

Sombra Boa não tinha e-mail.
Escreveu um bilhete:
Maria me espera debaixo do ingazeiro
quando a lua tiver arta.
Amarrou o bilhete no pescoço do cachorro
e atiçou:
Vai, Ramela, passa!
Ramela alcançou a cozinha num átimo.
Maria leu e sorriu.
Quando a lua ficou arta Maria estava.
E o amor se fez
Sob um luar sem defeito de Abril.

Manoel de Barros
in Poemas Rupestres
Edit. Record 2004

"BIG BROTHER" INVADE SALAS PARA MONITORAR AULAS

Com este título, o Informativo TJERJ&EMERJ (Tribunal de Justiça e Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro) de Julho/Agosto de 2005 publica a seguinte notícia:

Preocupado com a qualidade de ensino na Escola, o racionamento de despesas e a sua modernização, o desembargador Paulo Ventura instalou neste primeiro trimestre de 2005, nas salas de aula da Emerj, um circuito interno de câmeras de monitoramento, Agora, cada sala possui quatro câmeras que visualizam toda a sua extensão.
Segundo o desembargador, o objectivo das câmeras de monitoramento é fiscalizar os alunos durante a aplicação de provas, dispensando-se assim a presença de fiscais nas salas, bem como facilitar o controle de freqüencia dos alunos e o acompanhamento das aulas ministradas pelos professores. “Esta foi a forma que encontramos de avaliar com mais critério a qualidade de ensino”, destacou Ventura.
Hoje, a Emerj possui em seu Curso de Preparação à Carreira da Magistratura dez turmas pela manhã e cinco turmas à noite.

Visitei a sala onde estão instalados os monitores e se vêem as diversas salas de aula da Emerj e lembrei-me de uma “confissão” que, lá por Dezembro, pelo menos um auditor de justiça cada ano me fazia: pensava, no início, assim como alguns outros colegas, porque lhes tinham dito antes começarem o curso, que existiam câmaras de filmar na sala de convívio do Centro de Estudos Judiciários para observar o comportamento dos auditores.

A Emerj aproveitou a ideia!?

RAINHA DA AMÉRICA

A catalã Nuria Amat, em Rainha da América (traduzido por Ana Mafalda Tello), com uma escrita que vai, página a página, envolvendo o leitor na sua trama, leva-nos pela mão a conhecer , por entre a história de amor entre Rat ("uma jovem espanhola recentemente chegada em missão humanitária") e Wilson (um escritor e jornalista "perseguido pelos narcotraficantes, pelos guerrilheiros e pelo exército"), na companhia de Aida (uma "supersticiosa visionária", "desde o início [o] olhar da história"), um pouco da realidade da violência nos campos colombianos e das "penas" (substantivo cuja frequente utilização no livro se insinua) dos camponeses da Colômbia (país onde a autora também viveu):

Nós, os camponeses, continuou a dizer, estamos à mercê dos sabotadores das terras. Por um lado, somos escravos dos narcotraficantes e da guerrilha, dois inimigos em duas frentes opostas. E, quando ao exército lhe dá na veneta mandar a tropa de Quibdó queimar as nossas plantações, quem perde somos também nós.

SERÁ?

“Acreditarmos que um ser participa de uma vida desconhecida onde o seu amor nos faria penetrar é, de tudo o que o amor exige para nascer, aquilo a que ele está mais apegado, e que o leva a não ligar importância a tudo o resto”.

Marcel Proust

quinta-feira, setembro 08, 2005

JÁ ME ESQUECIA!

1º Fátima Felgueiras não era passageira do avião em que regressei do Brasil;
2º Quanto ao resto, vai ter de ser explicado com mais calma. Mas vai ser!

CONSELHO PROÍBE NEPOTISMO NO MINISTÉRIO PÚBLICO

Trata-se de uma notícia de O Globo, de 06 de Setembro.

O Conselho Nacional do Ministério Público, órgão criado no início do ano passado para fiscalizar a instituição, aprovou ontem uma resolução dando prazo de 60 dias para serem demitidos todos os parentes até ao terceiro grau de procuradores, promotores de Justiça e servidores. A norma vale para o Ministério Público da União e dos estados.

TELEMÓVEL? AUTOCARRO?

A expressividade, o ritmo e a permanente novidade do português falado e escrito no Brasil, e em África, atraem-me tanto mais quanto maior é o contacto que com ele(s) vou tendo. Mas achei curioso ter, desta vez, encontrado uma brasileira que se mostrava do mesmo modo que eu encantada, ela agora com palavras do nosso quotidiano com que se familiarizara quando esteve de visita a Portugal, tais como telemóvel e autocarro.

A propósito, aqui vai PRENOMINAIS, de Oswald de Andrade, poeta que quis contribuir para que a língua portuguesa no Brasil fosse “bárbara e nossa”:

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro


1925

AQUI, TAMBÉM VEM DANDO EM PIZZA

Abro a janela e não vejo as Cagarras nem o mar, o passeio de Ipanema nem ao fundo o Vidigal.
Compro o jornal e não fala de quem Parreira vai tirar nem da prisão de Polinter, mas fala do mensalão e de Severino.
Hoje não tem chorinho no Rio Scenarium.
Mas, aqui, a investigação do caixa dois também vem dando em pizza

REGRESSO

desta "voz de um pequeno braço de mar perdido dentro de uma caverna" (Emílio Moura, Poema Patético - 1936).