domingo, setembro 18, 2005

ESCRITA INKZ. ANTI-MANIFESTO PARA UMA ARTE INCAPAZ

Passava já mais de uma hora que eu vasculhava a Livraria Travessa, em Ipanema, quando, na secção de poesia deparei com um nome conhecido – Boaventura de Sousa Santos – e um livro desconhecido – escrita INKZ. anti-manifesto para uma arte incapaz.

Li nas badanas o texto de Gilberto Gil: o autor era mesmo quem eu pensava ser. O que me foi confirmado numa das últimas páginas do livro:
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
é um conhecido cientista social e um poeta desconhecido.
Vive em parte incerta no fato do mundo.
Gosta mais de andar nos bolsos de dentro do que na lapela.
Dão-se alvíssaras a quem o encontrar feliz ou infeliz.

O autor que, no DESFÁCIO, começa por afirmar: “A minha geração não produziu nada de novo no domínio das artes. Isto não seria um grande problema se ela tivesse sabido usar produtivamente a sua esterilidade. Mas não foi o caso” - esclarece depois que:
A Escrita INKZ não é poesia nem é prosa, não é pintura nem escultura, nem arquitectura. É uma arte incapaz. Não se sustenta nem se completa por si própria. Abre espaços para as manifestações artísticas dos outros, sejam eles artistas legais ou indocumentados, formais ou informais, oficiais ou não-oficiais.

Pela voz de King, um cão, “rafeiro de raça”, que o autor conheceu em Saint Valery, o livro tem seis partes: figura, cidade, andamento, momento, mulher nua, orador-ninguém – correspondentes, segundo ele, às “seis mónadas” que constituem “a subjectividade do novo milénio”.

No Andamento, diz King:

Pergunto-me que restos me vão dar neste restaurante
À beira mar ilegalmente
Plantado:

Emoções fugazes à grande cidade
Inferno à casa
Traição à nacional
Broches en su tinta
Suspiros vaginais em molho espesso
Tradições atlânticas na grelha
Seios mamados ao natural
Branqueamentos variados à bela moleira
Realidades marinadas no espeto


Não há razão para não personalizar os restos
Ninguém entra num restaurante
E pede comida em geral


Li no chão
Que a eternidade vigia o tempo
Deve ser por isso
Que os humanos
Comem a horas certas


Aeroplano Editora, Rio de Janeiro, 2004.

“As normas e grafias de Portugal foram mantidas a pedido do autor”.

Aqui fica o registo desta minha descoberta.

1 Comments:

At domingo, 18 setembro, 2005, Blogger AntropoLógica said...

Nada de "restos" neste blog. Sai-se, pelo contrário, de mente bem alimentada. Conto apreciar novas refeições a esta mesa. :)

 

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