domingo, setembro 11, 2005

CONHECIMENTO CIENTÍFICO E PROVA JUDICIAL

Nos dias de hoje, em que o diálogo de saberes é cada vez mais essencial à escolha das opções de regulação social, à feitura e interpretação das leis, à definição das políticas de prevenção, à construção das decisões judiciais (que com frequência assentam numa análise multidisciplinar da realidade e das relações humanas, sociais, económicas e políticas) e à sua execução; e em que a ciência se estende progressivamente a novos campos anteriormente entregues ao “conhecimento comum” - o tema da relação entre o conhecimento científico e a prova judicial adquire grande importância, assim como a necessidade de os magistrados possuírem a suficiente formação multidisciplinar, não para se substituírem aos profissionais dos outros ramos do saber, mas sim para serem capazes de recolher correctamente a informação que por estes pode ser prestada, de solicitar com utilidade os pareceres aos técnicos, de interpretar e analisar criticamente os elementos recebidos e de os utilizar adequadamente.
Vem isto a propósito de um artigo de Michele Taruffo (Catedrático de Direito Processual da Universidade de Pavia), com o título “Conocimiento científico y estándares de prueba judicial”, que pode ser lido no nº52 da revista Jueces para la Democracia, de Março de 2005, de que aqui quero deixar nota.
Começa por afirmar que se, na verdade, os juízes sempre “utilizaram noções científicas para estabelecer ou interpretar circunstâncias de facto para as quais pareciam inadequadas as noções de experiência ou senso comum”, “o alargamento da ciência [com uma enorme aceleração no séc. XX) a campos do saber que no passado eram deixados ao senso comum provocou uma importante alteração nas fronteiras que separam a ciência da cultura média não científica: sucede cada vez com maior frequência, de facto, que circunstâncias relevantes para as decisões judiciais podem ser averiguadas e valoradas com instrumentos científicos, reduzindo-se proporcionalmente a área em que o juízo sobre os factos pode ser formulado somente sobre bases de conhecimento não científicas”.
Chama a atenção para o facto de “muitos juízes estarem todavia ligados à concepção tradicional segundo a qual somente quando está em causa uma ciência “dura” [química, biologia, matemática, etc.] se torna indispensável a ajuda de um perito, enquanto que as ciências sociais pertencem à cultura média e, portanto, entrariam na normal bagagem de conhecimentos do juiz”. E adverte que “esta concepção é infundada, e torna-se menos aceitável à medida que novas áreas do saber adquirem o estatuto de ciências; com efeito, a cultura média dos juízes não evolui com a mesma rapidez e na mesma direcção do conhecimento científico, o que explica a manutenção – na cultura jurídica – da concepção tradicional e restrita de ciência”.
Mas alerta para que “os juízes não podem limitar-se a receber passivamente qualquer coisa que se apresente como “científica”, devendo assumir a responsabilidade de verificar a validade e a atendibilidade das informações que pretendem ter dignidade científica e que se destinam a constituir a base da decisão sobre os factos”.
Considerando que “as provas científicas são muito úteis, mas raramente resultam decisivas e suficientes para determinar a decisão sobre os factos”, Michele Taruffo aborda o tema da sua valoração - que, mesmo quando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, implica uma “discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação racional” -, nomeadamente a questão da probabilidade prevalecente e da prova para além de qualquer dúvida razoável.