sexta-feira, setembro 23, 2005

A GRAMMATICA


“… a grammatica é um instrumento, e não uma lei.”
“Supponhamos que vejo deante de nós uma rapariga de modos masculinos. Um ente humano vulgar dirá d’ella, “Aquella rapariga parece um rapaz”. Um outro ente humano vulgar, já mais próximo da consciência de que fallar é dizer, dirá d’ella, “Aquella rapariga é um rapaz”. Outro ainda, egualmente consciente dos deveres da expressão, mas mais animado do affecto pela concisão, que é a luxúria do pensamento, dirá della, “Aquelle rapaz”. Eu direi “Aquella rapaz”, violando a mais elementar das regras da grammatica, que manda que haja concordancia de género, como de número, entre a voz substantiva e a adjectiva. E terei dito bem; terei fallado em absoluto, photographicamente, fora da chateza, da norma, e da quotidianidade. Não terei fallado; terei dicto.”


Bernardo Soares
Livro do Desassossego


Hoje, haveria decerto quem sugerisse que se escrevesse: “Aquel@ rapaz”. Mas, como é que se diz?