sexta-feira, setembro 30, 2005

QUID JURIS?

O Joaquim está preso preventivamente à ordem de um inquérito.
O Ministério Público arquiva o inquérito por falta de indícios suficientes da autoria de crime.
O que fazer quanto ao Joaquim? Libertá-lo de imediato?
Quem está a ler este texto, que não se precipite a dizer logo: obviamente que sim!
É que há quem ache que não!?
Porquê?
Porque o artº 214º.1.a) do Código de Processo Penal determina que “as medidas de coacção extinguem-se de imediato com o arquivamento do inquérito, se não for requerida a abertura da instrução”.
Consequência: o Joaquim corre o risco de ficar mais de 20 dias preso preventivamente à espera que, eventualmente, seja requerida a instrução; se não o for, então sim, será libertado.
Quando se chega a uma conclusão destas e se tem algum sentido de justiça, a campainha do absurdo costuma alertar: atenção, não podes estar a ver o filme todo.
Acreditando minimamente que o legislador teve alguma sensatez, há que procurar na lei uma fundamentação, que tem de existir, para a libertação do Joaquim. Se não se encontra à primeira, porque o Código é novo, foi comprado há poucos dias e os artigos não estão no mesmo sítio, e, assim, fica em crise o sentido do que se pensa ser a justiça, não há nada como sair do gabinete, ir tomar um café e, como quem não quer a coisa, perguntar ao empregado de mesa o que acha – se ele não identificar na história um inimigo de estimação nem um político com fama de corrupto, a resposta vai obrigar a uma procura mais atenta no Código.
Até que será encontrado o artº 212º.1.b) daquele mesmo Código de Processo Penal (ali tão perto, afinal!), que diz: “As medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar (...) terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação”. Como, para a sua aplicação, tiveram de existir “fortes indícios da prática de crime”, e o inquérito foi arquivado por falta de indícios da autoria de crime, 2 + 2 = deixaram de subsistir as circunstâncias que justificaram a aplicação da prisão preventiva.
Se, depois de todo este esforço intelectual, surge o receio de estar sozinho nesta ousada operação interpretativa, pegue-se nas Jornadas de Direito Processual Penal do CEJ, de 1988, procure-se o artigo sobre medidas de coacção de Odete Maria de Oliveira e leia-se a página 188; e pegue-se no Código de Processo Penal Anotado de Simas Santos e Leal-Henriques, 1º volume, 2º ed., 1999, até encontrar a página 1029. Isto para falar de dois livros que todos têm! Será, então, sentido o regozijo de um difícil raciocínio bem conseguido porque a companhia dos melhores dos nossos não engana.
Claro que, no caso, a lei complica um bocadinho, mas há que não demorar muito, porque o Joaquim está lá dentro à espera.


Espero que o Joaquim, se for dado à blogosfera, já possa andar por aqui.