
Este livro de Cunha Rodrigues, há dias editado, constitui, como era de esperar, um forte apelo à reflexão e ao debate sobre a justiça, e sobre a evolução do nosso sistema judiciário desde a transição da ditadura para a democracia, que, na realidade, decorreu num registo mais marcado pela continuidade do que pela ruptura. Aviva a memória a uns, informa outros, interpela-nos a todos.
É importante que se relembre, por exemplo, que:
"Depois da judicialização da vida política (e quem o podia fazer senão o legislados?), os responsáveis começaram a lançar sobre o sistema judicial o grande anátema, em palavras que o Senhor de la Palice invejaria:
"A vida política", concluíram, "... está judicializada!".
A partir de então, "As intervenções políticas passaram a ser feitas não para salvaguardar a confiança nos tribunais mas para restituir a confiança na vida política, algumas vezes, como se pode imaginar, com reflexos no modo como o homem comum passou a encarar a afinação da balança da justiça".
Ainda hoje se vive na investigação criminal a consequência de se ter visto "na ausência de uma norma que reconhecesse às magistraturas a disponibilidade das polícias e nos riscos da autonomia e da autogoverno uma sugestão para construir uma forma de coabitação e de partilha da investigação. As magistraturas organizavam-se autonomamente e eram independentes para investigar e instruir mas a adjudicação concreta de meios de investigação, incluindo a disponibilidade dos orgãos de polícia criminal, continuava a ser uma atribuição do executivo".
"O Ministério Público e o Tribunal de Instrução Criminal ir-se-iam tornar, pouco a pouco, naquilo a que alguns sociólogos chamam corpos sem braços".
Como não reconhecer que se "permitiu, por exemplo, que a gestão dos recursos humanos e materiais constituisse uma excelenete forma de "vigiar" a reactividade e "dosear" a pró-avtividade das instituições judiciárias; que a tutela das polícias permitisse "regular" a "malha" da investigação; e que o positivismo legalista contivesse os magistrados nos trilhos técnico-burocráticos que, aliás, sempre tinham constituído o seu habitat natural"?.
Como encontrar o remédio para "um perfil de magistrado queixoso da burocracia mas nela instalado, parecendo preferir a optimização das cifras estatísticas ao entendimento do processo como instrumento de cidadania, sempre pronto a assumir individualmente os poderes e a transferir para o colectivo as responsabilidades, com a auto-estima constantemente em perda?"
Mais uma vez o recado de que "é urgente reajustar o recrutamento de magistrados, introduzindo maior diferenciação na origem, e repensar a formação". E de que "Deveria atribuir-se uma importância particular à formação permanente e limitar a ambição pedagógica das instecções que (...) tende a funcionar como elemento reprodutor do modelo".
Surpreende-me a confissão de que "Uma das aporias da minha reflexão como magistrado data exactamente do tempo em que acreditei que era possível construir uma relação eticamente fundada, transparente e sustentável entre justiça e comunicação social. Não era".
ESTES SÃO SÓ ALGUNS DOS DESAFIOS À NOSSA CAPACIDADE DE REFLECTIR E DEBATER A JUSTIÇA!