segunda-feira, maio 08, 2006

A REFORMA DA LEI DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS (3)

Recrutamento e Selecção
Defendo que não deve existir qualquer limitação a que os licenciados em Direito, logo que concluída a licenciatura, sejam candidatos ao ingresso em ambas as magistraturas. Em Portugal foi essa a regra durante cerca de 20 anos e não existe nenhuma demonstração de que tenha sido um erro ou que se tenha traduzido nalguma diminuição da qualidade ou da capacidade de resposta do sistema.
Decisivo para uma correcta aplicação do direito é o nível de formação, a qualificação profissional e cultural, que os magistrados possuam os conhecimentos necessários à compreensão dos vários aspectos da realidade social, e não a idade.
A primeira questão que se coloca é a de saber se o concurso a que terão de ser submetidos estes candidatos visa tão só fazer uma reavaliação da aprendizagem obtida na licenciatura dos conhecimentos essenciais das principais áreas do direito – justificada pela existência de um número significativo de instituições que formam licenciados em direito, com currículos, critérios de selecção e de notação diferentes, ou simplesmente pela necessidade de seleccionar um número de pessoas muitíssimo inferior ao número de candidatos.
Entendo que não, pois a resposta afirmativa seria contraditória com o objectivo de contribuir para o recrutamento, selecção e formação de magistrados tecnicamente competentes, culturalmente esclarecidos e socialmente empenhados, assim como com o conteúdo da formação que proponho.
Assim sendo, que outros aspectos terão de ser considerados?
É essencial a avaliação do correcto domínio da língua em que se têm de exprimir, tanto na forma escrita como na forma oral – pois, para além da sua importância na interpretação da lei e na compreensão do objecto processual, a capacidade de comunicação, de fundamentação e explicação acessível aos cidadãos das decisões dos tribunais é hoje uma exigência do estado de direito democrático.
É essencial avaliar a informação do candidato sobre os temas não jurídicos essenciais para um esclarecido exercício das funções de magistrado, bem como se está suficientemente informado sobre os principais temas da actualidade e de interesse geral, e se mostra capacidade de os debater de forma fundamentada – pois a administração da justiça não é somente um exercício técnico-jurídico.
Deve exigir-se que o candidato conheça suficientemente bem a organização judiciária, as funções e os estatutos das profissões forenses, que tenha uma ideia cívica clara sobre as regras éticas e deontológicas exigidas no exercício das funções de juiz ou de procurador – ou seja, que tenha obtido informação suficiente e tenha uma ideia clara sobre a profissão que pretende abraçar.
E a avaliação dos conhecimentos de direito deve incidir essencialmente sobre a capacidade, em face de situações concretas, de sobre elas reflectir, de utilizar adequadamente os conhecimentos jurídicos pertinentes, de encontrar para elas respostas jurídicas suficientemente fundamentadas, de demonstrar ponderação na sua análise – ou seja, uma avaliação não limitada ao conhecimento memorizado, ou à transcrição acrítica da doutrina e da jurisprudência disponíveis.
Também a análise e discussão curriculares devem integrar o concurso público de ingresso, mesmo no caso dos jovens licenciados.
Hoje, em Portugal, a lei prevê que os candidatos sejam submetidos a uma entrevista, realizada pelo júri do concurso assessorado por um psicólogo. E são excluídos os candidatos que não obtenham a menção de Favorável nessa entrevista. Entendo que este tema se deve debater sem complexos, o que passa, em primeiro lugar, pela definição do que se pretende realmente avaliar ou despistar, pela subsequente escolha dos instrumentos científicos a utilizar e pela definição do respectivo regime. Nada tenho, em princípio, contra a avaliação psicológica dos candidatos ao ingresso na magistratura, mas tenho tudo contra o facto de nada estar claro, como acontece na lei portuguesa, quanto ao seu modo de realização, objectivo e regime.
Mas, esta via de ingresso – a via de ingresso preferencialmente procurada pelos jovens licenciados em direito - deve coexistir com uma outra dirigida a candidatos com reconhecida experiência e competência profissionais em outras funções jurídicas, em que também se respeite o princípio do concurso público.
A coexistência de uma via de ingresso destinada a outros profissionais permitiria uma maior diversidade de idades, de trajectos e de experiências profissionais no exercício das mesmas competências funcionais – o que constituiria um ganho de independência, de pluralismo e de potencial adequação das respostas a produzir pelo sistema judiciário.
Claro que o modo e os critérios de selecção dos candidatos terão de ser distintos numa e noutra via de ingresso na magistratura, devendo ter nesta que agora proponho uma importância predominante a avaliação curricular.
ver (1) ; (2)