Amanhecer
Visto de noiva a árvore da noite
e entrego-a a um frémito de vento,
que a envolve nos braços e a despe,
sopro a sopro, de folhas e de pássaros.
Abrigo-me nessa árvore violada,
ouvindo a sua queixa por entre
os ramos, e rasgo o seu tronco,
recolhendo a resina de um resto de lua.
E ela conta-me o seu sonho de raiz,
penetrando a terra estéril, num
murmúrio de folhagem sequiosa do céru.
Fujo da sua sombra; e levo comigo
o véu da inocência, feito de botões
que a luz não abriu, rasgado pelo sol.
Nuno Júdice
in O Breve Sentimento do Eterno
Edições Nelson de Matos, 2008
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