terça-feira, dezembro 02, 2008

Amanhecer

Visto de noiva a árvore da noite
e entrego-a a um frémito de vento,
que a envolve nos braços e a despe,
sopro a sopro, de folhas e de pássaros.

Abrigo-me nessa árvore violada,
ouvindo a sua queixa por entre
os ramos, e rasgo o seu tronco,
recolhendo a resina de um resto de lua.

E ela conta-me o seu sonho de raiz,
penetrando a terra estéril, num
murmúrio de folhagem sequiosa do céru.

Fujo da sua sombra; e levo comigo
o véu da inocência, feito de botões
que a luz não abriu, rasgado pelo sol.

Nuno Júdice

in O Breve Sentimento do Eterno
Edições Nelson de Matos, 2008