domingo, novembro 04, 2007

AVES CANORAS

Agora gostam todos muito de dizer
poemas em voz alta. Já houve um tempo
em que parecia muito fora de padrão
e outro em que era o botão na lapela.
Mas agora precisam de explicar,
por esta e aquele razão, que a voz
do poeta é, também, a voz dos versos
e que sem um não há outro e sem
outro não haverá nenhum. Sinal
claro da emoção, eis o poeta, o editor,
o livreiro, a força da nação: tenho sempre
vontade de chorar, diz um a rir,
quando leio um poema qualquer.
Eu não consigo é a pontuação, diz outro,
com ar profissional. Pois a mim
não custa nada voar nas asas
da imaginação, interpela o prosador
para quem a poesia é uma prosa
abismada. E lá vão todos jantar,
depois da sessão, beber vinho tinto
e comer uma sardinhada. Às três da tarde
de um dia anónimo e discreto, muito perto
de não acontecer nada, chegou-se um a mim,~
silencioso e secreto, a dizer que não queria
nem lançamento nem projecto, não queria
que dissessem dele mais do que ele dizia.

Manuel Fernando Gonçalves
in "fechamos a alma, ao fim da tarde, com estrondo e animação"
& etc, 2006