quarta-feira, setembro 06, 2006

AO CORRER DA REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (9)

Corporativismo, judicialização da política
e a "crise da justiça" em Portugal"

"[A] discussão acerca da "crise da justiça" terá obrigatoriamente de englobar algo mais do que um discurso sobre os recursos materiais da administração da justiça ou sobre a adequação instrumental de leis e dos códigos. Nem poderá ficar-se pela análise - importantíssima- da cultura jurídica ou das variáveis estruturais profundas da sociedade portuguesa. Ela terá também de englobar um discurso científico sobre os actores políticos e judiciais concretos e, especialmente, sobre os seus interesses. Compreende-se bem a incomodidade da questão. O discurso sobre os interesses políticos e corporativos que se degladiam em torno da justiça tem sido frequentemente, ele próprio, um discurso interessado. Mas creio compreender também a razão porque se tem evitado sistematicamente a questão. Enquanto que o discurso acerca dos recursos materiais e legislativos reporta-se àquilo que se pode mudar com demasiada facilidade, o discurso sobre as causas estruturais da crise diz respeito àquilo que está para além da vontade dos agentes e das élites políticas, judiciais e sociais. Ou seja, enquanto um é voluntarista, o outro é desresponsabilizante. Todavia, os interesses existem. Eles são aquilo que, em grande medida, move os agentes envolvidos e gera resistências a todas as mudanças que não sejam meramente cosméticas. Se a discussão sobre a crise da justiça servir para alguma coisa, é para desvendar esses interesses, compatibilizá-los onde for possível e, quando isso não puder ser feito, subordiná-los àqueles que devem ser os interesses prevalecentes na administração da justiça: os interesses dos cidadãos".
Assim conclui Pedro Coutinho Magalhães o seu interessante e actual artigo publicado no nº79 (Jul/Set 1999) da Revista do Ministério Público.