domingo, junho 11, 2006

CADERNOS DE POESIA



A recente leitura num jornal diário de uma reportagem sobre a não adesão dos leitores portugueses ao livro de bolso fez-me recuar a Novembro de 1968 e ao início da publicação dos Cadernos de Poesia das publicações dom quixote com Micropaisagem, de Carlos de Oliveira, de que aqui fica:.

PUZZLE

I
O sono
cresce como
se
uma anestesia
ténuescura
se
propagasse
do cérebro
pela rede nervosa
friamente
até aos dedos
e o tacto
dos homens
esquecesse

II

as mulheres
em que o sangue
transporta
com
leveza
o esquema interior
duma árvore
à procura
de poros e ar
para florir
o sono
fazendo-as
esquecer
os homens

III
e assim
as peças
do puzzle
deslembradas
de entrar
umas
nas outras
transformam-se
em rios paralelos
correm
lado a lado
toda a noite
no mesmo leito
estéril.

Uma colecção que se podia assinar, custando cada volume entre 20$00 e 30$00. Lembro-me de os receber pelo correio, da expectativa de saber qual o poeta publicado em cada novo número dos Cadernos, num país em que a censura procurava seleccionar previamente o que podíamos ler. Eram dois dias a saboreá-lo, quantas vezes sobrepondo-se ao Direito Romano, à História do Direito Português, ao Corporativo, ou outra coisa do género, .
David Mourão-Ferreita, Egipto Gonçalves, António Ramos Rosa, Armando da Silva Carvalho, Ruy Belo, Alexandre O’Neil, Pablo Neruda, Giuseppe Ungareti, Aimé Césaire, Vinícius de Moraes, Samuel Beckett ... sendo Poemas Escolhidos de Jorge Luís Borges, traduzido por Ruy Belo, editado em Outubro de 1971, o último (o nº 20) dessa primeira série que encontro aqui pelas estantes, do qual transcrevo um poema bem actual.

XADREZ

No seu grave recanto, os jogadores
Deslocam os peões. O tabuleiro
Tem-nos até à alva no altaneiro
Âmbito em que se odeiam duas cores.

Dentro erradiam mágicos rigores
As formas: torre homérica, ligeiro
Cavalo, alta rainha, rei postreiro,
Oblíquo bispo e peões agressores.

Quando os jogadores se houverem ido,
Quando o tempo os tiver já consumido,
Nem por isso terá cessado o rito.

A leste se ateou uma tal guerra
Que hoje se propaga a toda a terra.
Como o outro este jogo é infinito.

1 Comments:

At terça-feira, 13 junho, 2006, Blogger BR said...

Caro Rui

Confesso que sou uma devoradora de livros de bolso (é esse o preço a pagar por não poder comprar e devorar livros a torto e a direito e o que vale é que o preço é, literalmente, baixo).

Ando apaixonada pela colecção da Penguin Pocket de 2005 que, para quem gosta de ler em inglês, faz algumas delícias. Registos diferentes, desde Kafka a Tonny Scott, Melissa Banks, George Orwell, Nick Hornby... 70 à escolha a 1,5€ na FNAC.

Vou cá voltar.
Um abraço,
BR

 

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