MAS ...
O acórdão anteriormente referido se, a meu ver, tem toda a razão quanto à não integração da conduta da arguida, no que respeita aos ali identificados CC, FF e EE, na descrição que o Código Penal faz do crime de maus tratos - não está, contudo, isento de críticas.
Exactamente na parte que lhe deu o "picante" imprescindível ao seu extravasamento mediático, e que passo a transcrever:
E podemos dar a resposta quanto aos factos deste recurso mesmo com uma pergunta:
Qual é o bom pai de família que, por uma ou duas vezes, não dá palmadas no rabo dum filho que se recusa ir para a escola, que não dá uma bofetada a um filho que lhe atira com uma faca ou que não manda um filho de castigo para o quarto quando ele não quer comer?
Quanto às duas primeiras, pode-se mesmo dizer que a abstenção do educador constituiria, ela sim, um negligenciar educativo. Muitos menores recusam alguma vez a escola e esta tem - pela sua primacial importância - que ser imposta com alguma veemência. Claro que, se se tratar de fobia escolar reiterada, será aconselhável indagar os motivos e até o aconselhamento por profissionais. Mas, perante uma ou duas recusas, umas palmadas (sempre moderadas) no rabo fazem parte da educação.
Do mesmo modo, o arremessar duma faca para mais a quem o educa, justifica, numa educação sã, o realçar perante o menor do mal que foi feito e das suas possíveis consequências. Uma bofetada a quente não se pode considerar excessiva.
Quanto à imposição de ida para o quarto por o EE não querer comer a salada, pode-se considerar alguma discutibilidade. As crianças geralmente não gostam de salada e não havia aqui que marcar perante elas a diferença. Ainda assim, entendemos que a reacção da arguida também não foi duma severidade inaceitável. No fundo, tratou-se dum vulgar caso de relacionamento entre criança e educador, duma situação que acontece, com vulgaridade, na melhor das famílias.
Estas considerações são:
1º Desnecessárias para a decisão jurídica da questão em análise;
2º Correspondem a concepções de quem as subscreve, que não deviam importar para o caso;
3º No contexto em que são referidas - num processo em que se analisa o relacionamento de funcionária com jovens deficientes numa instituição que os acolhe - são, evidentemente, susceptíveis de transmitirem uma mensagem de condescendência para com comportamentos educativos desadequados, que não raro andam paredes-meias com o mau trato e, se não forem parados a tempo, nele acabam (como, no caso concreto, se viu relativamente a BB).
Separadas as águas, da parte decisória do acórdão e dos considerandos constantes da sua fundamentação, a notícia teria prestado um bom serviço à reflexão e ao debate público sobre a responsabilidade das decisões dos tribunais pela mensagem pública que transmitem para além do que é tecnicamente a "decisão", mormente dos tribunais superiores, e particularmente em área tão sensível como esta.
Não o tendo feito, é uma má notícia!
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