quarta-feira, abril 12, 2006

DESINFORMAÇÃO JORNALÍSTICA, HOJE NO "PÚBLICO"

O "Público" de hoje publica um artigo com chamada de primeira página, cujo título principal é "Supremo diz que são lícitos "correctivos" corporais dados a crianças deficientes", no qual é noticiado um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do passado dia 5 de Abril, em que é analisado o comportamento de uma trabalhadora de um Lar Residencial de jovens portadores de deficiência, relativamente aos jovens identificados como BB, CC, FF e EE, que descrevo de forma sumária:
1. Quanto a BB: a partir de 1992 até 12 de Janeiro de 2000 fechou-o por várias vezes à chave na despensa, com a luz apagada, por período que chegou a ser de cerca de uma hora; por duas vezes, ao fim-de-semana amarrou-lhe os pés e as mãos à cama "para evitar que acordasse os restantes utentes do lar e para não perturbar o (seu) descanso matinal"; e dava-lhe bofetadas;
2. Quanto a CC: deu-lhe, por uma ou duas vezes, palmadas no rabo, quando não queria ir para a escola;
3. Quanto a FF: deu-lhe uma bofetada por "este lhe lhe ter atirado com uma faca";
4. Quanto a EE: "mandou-o uma vez de castigo para o quarto sozinho quando este não quis comer a salada à refeição, tendo este ficado a chorar por ter medo de ficar sozinho".
A referida trabalhadora, arguido do processo, foi condenada como autora do crime de maus tratos relativamente ao seu comportamento para com BB. No que repeita ao seu comportamento para com CC, FF e EE, considerou o STJ que não configurava a prática de tal crime, cuja conduta consiste, no que aqui interessa, em "infligir maus tratos físicos ou psíquicos ou tratar cruelmente" (artº 152º1.a) do Código Penal).
Mas o que é que foi escrito na abertura da notícia do "Público"? Apenas o seguinte:
"Responsável de lar de Setúbal absolvida de maus tratos a três menores. Foi, no entanto, condenada por ter amarrado um menino à cama".
Ou seja, este texto tem a virtualidade de virar a situação ao contrário: a trabalhadora teria sido absolvida pelos actos graves e condenada por uma agressão mais ligeira.
E o teor da notícia é construído de forma (propositadamente?) confusa quanto aos factos e à decisão judicial, por forma a que a ideia transmitida pelo título e pelo texto de entrada possa persistir no decurso da sua leitura.
Um flagrante exemplo de mau jornalismo, um exemplo de desinformação e, portanto, de mau serviço público .
Assim, não ganha a justiça, não ganham os cidadãos!

Para quem queira comparar, como eu fiz, a decisão do STJ com a notícia, pode ler aquela aqui.