sábado, dezembro 31, 2005

COIMBRA, 31 DE DEZEMBRO DE 1987


"Aqui estou à lareira, vigilante, à espera do ano novo. Já oiço foguetes festivos na rua, sinal de que não tarda. Que nos trará na sua impenetrabilidade misteriosa? Para alguns a vida; para outros a morte. Serei dos últimos ou dos primeiros? Mas não quero pensar nisso. Arredo do espírito a ideia triste. Junto a minha esperança à de milhões de semelhantes que teimam em não desesperar. Embora na mão dos Fados, tenho-lhes trocado as voltas em muitas ocasiões à força de vontade. Por que não hei-de repetir a façanha? O homem é uma autonomia contingente. Sem ter a última palavra nos acontecimentos, configura-os, contudo. Mas até esse privilégio perde quando descrê de si. Então é que os deuses podem tudo".


Miguel Torga

Diário XV