sábado, outubro 29, 2005

PERPLEXIDADE DE CIDADÃO

A história é esta:
1. O Estatuto do Jornalista afirma que “sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação” (di-lo o nº1 do artº 11º da Lei 1/99, de 13 Janeiro);
2. Um jornalista, inquirido em tribunal sobre quem teria sido a fonte de uma notícia, recusou-se a identificá-la;
3. Porque tal informação respeitava ao segredo profissional do jornalista, o juiz de instrução criminal, entendendo que, mesmo assim, no caso concreto a fonte deveria ser revelada, suscitou a questão ao Tribunal da Relação de Lisboa, o qual decidiu que aquele devia prestar o seu testemunho com quebra do segredo profissional, ou seja, tinha de responder, com verdade, à pergunta sobre quem havia sido a sua fonte. Porquê? Porque entendeu que, no caso, o dever de prestar tal informação deveria prevalecia sobre o sigilo profissional (tudo isto, nos termos do artº 135º do Código de Processo Penal);
4. O jornalista, tendo sido, então, instado a revelar a fonte, recusou-se a fazê-lo, tendo sido acusado e condenado como autor de um crime de desobediência;
5. O jornalista recorreu da sentença que o condenou e aquele mesmo Tribunal da Relação decidiu revogá-la por entender, agora, que “no caso em questão preponderava o seu direito à manutenção do segredo de justiça”.

A história tirei-a do “Público” de ontem, e não é sobre a correcção jurídica das decisões tomadas ao longo do processo que vou manifestar a minha opinião (o que daria outro debate, mais técnico, igualmente interessante), pois para o efeito é-me irrelevante qual acabou por ser a decisão final. Coloco-me no lugar de cidadão leitor do jornal. E pergunto: mas como é que o mesmo tribunal decidiu primeiro que o dever de identificar a fonte prevalecia sobre o segredo profissional e depois decidiu exactamente o contrário? A resposta que receberei dos entendidos, e que eu próprio já dei sem grande convicção algumas vezes, é esta: o colectivo que, no Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu de uma e da outra vez foi diferente, não era constituído pelos mesmos juízes, daí que a decisão pudesse ter sido diferente; por outro lado, isto só significa que o sistema funciona, pois garante a correcção das suas decisões. Mas, não é natural que cause perplexidade? Não é natural que um qualquer cidadão fique com a ideia de que ser absolvido ou condenado pode ser uma questão de sorte?

Não valerá a pena perder algum tempo a pensar nisto? A pensar nas questões referentes à segurança jurídica e à coerência das respostas do sistema de justiça?

E não valerá a pena recuar até à Universidade, que tão arredada tem andado de todo o debate à volta da justiça, como se todos os defeitos se ganhassem depois de sair de lá? Até para ajudar a perceber porque é que, de vez em quando, temos a tendência para entender que a realidade é um factor perturbador da fluidez do raciocínio jurídico.