quarta-feira, outubro 05, 2005

A ILHA

Um filme de José Carlos de Oliveira, cujo guião, de que um dos autores é Luís Carlos Patraquim, foi escrito sobre a estória do livro Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, de Mia Couto.
Um filme que tem tido uma má crítica, a meu ver injustamente, talvez por o argumento não ter sido lido à luz da história mais recente de Moçambique.
A título de exemplo, refiro-me à nota que Francisco Ferreira assinou no Expresso de 24 de Setembro, cuja opinião fica clara nos dois primeiros períodos:”Depois da morte do marido que não amava, uma mulher do Porto parte para Moçambique em busca de uma paixão antiga. Esse sonho quer materializar-se no ecrã, talvez em memória colectiva, talvez em experiência de vida, mas nada cresce no seu interior, “puf”, chegamos a Maputo e rebenta o balão, desaparece o filme”.
Acontece que Conceição Lopes não é a personagem principal, nem do filme nem do livro (onde é referida fugidiamente apenas por três vezes); e, na leitura que dele faço, o filme começa efectivamente em Maputo. A crítica adequada, na minha opinião, é a contrária: a primeira parte passada no Porto atrasa sem qualquer vantagem no seu desenvolvimento o verdadeiro início do filme.
O personagem principal é Mariano (como, de resto, no livro), o jovem que foi muito novo para a cidade e regressa à Ilha de Luar-do-Chão para o funeral de seu avô Dito Mariano (que no livro se vem a revelar como sendo seu pai).
As diferenças e contradições entre a cultura da cidade e a cultura rural, bem como a denúncia da ambição e dos negócios obscuros, em prejuízo dos interesses do povo, de alguns dos que se aproximam e ganham influência no aparelho do poder político, são os temas em evidência neste filme (como também no livro).
No filme, contudo, o personagem Mariano, sempre com a máquina fotográfica ao pescoço pronto a dispará-la para captar o que se passa à sua volta, é uma clara alusão ao jornalista Carlos Cardoso (http://www.mol.co.mz/notmoc/001127a.html#antes), assassinado em 22 de Novembro de 2000 quando estava a investigar casos de corrupção e fraude económica em Moçambique (http://jornalistas.com/noticias.php?noticia=51), que teve um relevante papel na luta pela liberdade de imprensa no país.

Um pormenor: apreciei a abordagem que o filme faz das partes nuas dos corpos – a expressividade dos pés de Conceição Lopes; a sobriedade na captação das imagens desta e de Abstinêncio na cama.

Um filme que vale a pena ver, apesar da crítica. E quem o vir, que se lembre do que acima está dito. Talvez venha a gostar.