sexta-feira, agosto 05, 2005

CITEMOR 2005 - PASSEIO DE CABEÇA PERDIDA

Senti-me bem quando cheguei ao Convento de Santa Maria dos Anjos, em Montemor-agora-O-Velho, e me perguntaram se era estudante ou profissional de teatro. Respondi que era as duas coisas por dever de ofício mas não podia provar nem uma nem outra.
Passeio de Cabeça Perdida foi o espectáculo do programa do CITEMOR que este ano escolhi ir ver. Já lá vai o tempo em que, estando em Coimbra, ia a todas, mas a programação foi evoluindo para projectos que não me dizem muito. Todos os anos digo que não volto, mas não consigo resistir a ir e depois, regra geral, arrependo-me. Se fizer um balanço dos últimos anos, gostei de Os Donos dos Cães, do Teatro da Garagem, dirigido pelo encenador Carlos Pessoa, com quem vim mais tarde a trabalhar no II Ciclo Justiça e Literatura.
Desta vez era o resultado de uma residência de criação, de Jean Pierre Larroche e Les Ateliers du Spectacle, “a partir de histórias de santos que perderam as cabeças". O que me suscitou curiosidade foi, contudo, a referência, no programa, a uma lenda de Montemor-o-Velho:
Em Montemor-oVelho, há uma lenda que conta que há muitos anos, achando que iam perder a batalha contra os mouros, os homens daquela vila teriam decapitado todas as mulheres e crianças. No entanto, de forma inesperada, venceram-na ... Quando regressavam, a tristeza apoderava-se deles, pensando que iriam encontrar um lugar silencioso, preenchido pela morte. Afinal, um milagre acontecera, e só uma fina linha no pescoço da população ansiosa pelo regresso dos seus guerreiros contava o segredo das cabeças decapitadas ...
Ainda hoje ali se faz anualmente, em Setembro, a festa de Nossa Senhora da Vitória e a imagem da santa, que está na igreja do Castelo, tem no pescoço a tal linha de decapitação.
Durante quase todo o espectáculo pensei cá para mim – para que é que eu insisti em vir cá? Bem, sempre valeu a pena para conhecer o espaço interior do Convento, tentava convencer-me, pois uma coisa admirável do CITEMOR desde o seu início tem sido a escolha dos espaços de representação, numa vila em que os campos de milho confinam com o casario do centro histórico, com muito património para recuperar e onde muitos edifícios sem conservação, em ruínas mesmo, e os seus jardins invadidos pelas silvas mantêm a galhardia. O Castelo, as Igrejas ou o que resta delas, as eiras, os celeiros, campos de cultivo, casas em ruínas e o que foram os seus jardins têm sido os palcos, deixando para o fim a jóia que é o Teatro Esther de Carvalho recentemente recuperado.
De facto, valeu a pena pelo conhecimento do espaço, que se foi percorrendo, mas também por algumas cenas esteticamente bem conseguidas e principalmente pelo dizer da lenda, no final, por um contador de histórias da terra, que ali no Baixo Mondego há disso tradição, que acabou como tinha de acabar: bendito e louvado, o meu conto está contado. Para que não fossemos todos para a cama com a barriga vazia, serviram-nos ainda umas cabeças em biscoito, que fomos ratando e comendo.
Ainda podem lá ir hoje ou amanhã. Mas vão à vossa responsabilidade!